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Por aqui já sabem que eu tenho uma árvore que guardo no bolso.
Quando passeio a pé e me encontro com outras árvores, pergunto-me em que outros bolsos estarão elas guardadas. Porque não as conheço, não são minhas.
A minha árvore é uma magnólia centenária que em Janeiro se enche de punhos brancos erguidos em beleza. São as flores que prometem morrer no instante em que nascem. Mas antes, vejam-nas cobrindo a copa, vejam-nas beleza única e rara e um tanto triste, por tão efémera.
Durante a floração de 2022, decidi tirar esta árvore do meu pequeno bolso para mostrá-la à comunidade. Milhares de portuenses visitaram a minha magnólia, a magnólia do prédio onde os meus pais vivem, e desde então - estou certo - levam-na também no bolso.
Podia dizer bolso, podia dizer qualquer metáfora íntima, ou até um órgão. Uma árvore no coração seria demasiado óbvio, enraizada ela algures entre a aorta e a veia cava; uma árvore nos pulmões também. Melhor talvez uma árvore que cresceu na pele.
À falta de outra expressão, continuo a trazer a magnólia no bolso.
Mas há muitas árvores desconhecidas pelas quais passaríamos sem olhos de olhar - que é como quem diz, sem olhos de levar no bolso. Por esse país fora, precisamos de alguém que nos ajude a conhecer as árvores com as quais nos cruzamos.
Quando o ditado diz “longe da vista, longe do coração”, refere-se em particular a quem já se apaixonou - e está em vias de se desapaixonar. Mas essa distância da vista também pode ser anterior ao enamoramento.
O município de Lousada deu o exemplo. Na obra Gigantes Verdes, João Gonçalo Soutinho e Milene Matos, bem como as fotografias fabulosas de Pedro Martins, apresentam-nos os gigantes antigos que podemos encontrar nessas terras do Vale do Sousa.
Esta obra, fruto de um extraordinário desígnio, é um arranjinho. E puro matchmaking: aqui podemos começar a enamorar-nos pelas árvores antiquíssimas, interessantíssimas - e demais íssimas - que viermos a encontrar por essa região.
Através deste livro (que fica aqui como sugestão inesperada de livro de praia) vamos já conhecendo, e gostando, destes seres tão enigmáticos quanto a nossa imaginação permitir: quem gravou as iniciais no tronco da árvore do papel?; terá havido uma rixa debaixo do castanheiro centenário de Roufe?; e quem terá pedido sombra ao carvalho monumental de Ledesma?
Lá caminhamos nós para as histórias destes gigantes, lá começamos a abrir os bolsos: e, sem darmos por isso, abrimo-los completamente para guardarmos mais uma árvore.
O autor escreve segundo a antiga ortografia