<p>No acalorado período pós-revolucionário de 1974, os mais radicais entre os radicais chegaram a lançar uma palavra de ordem tão guerrilheira quanto insensata: "Acabar com ricos!". O slogan não resistiu por muito tempo à elementar constatação de que se tratava de acabar com os pobres, não com os ricos. Nem por isso aprendemos a lição. </p>
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Portugal conheceu, em quase 35 anos, transformações profundas. Desenvolveu-se, cresceu economicamente. Mas não soube - ou não quis - adoptar políticas de redistribuição suficientemente eficazes para erradicar a pobreza. O fenómeno não desapareceu; ganhou novos contornos. Há ricos cada vez mais ricos e gerações de pobres incapazes de fugir a essa indigna condição. Como demonstra um estudo da OCDE esta semana tornado público a distância de rendimento entre uns e outros, acentuou-se. A desigualdade atirou Portugal quase para a cauda da lista, entre os 30 países mais industrializados, sendo poucos os que registaram uma evolução positiva.
O que fazer perante o cenário? Cruzar os braços, tomando a pobreza como inevitabilidade ou destino marcado? Desviar o olhar, embarcando na falsa convicção de que ser pobre é tão só uma questão de vontade - ou, como alguns sugerem, de falta dela, de vontade de trabalhar para mudar de vida? Ou percepcionar o fenómeno como responsabilidade colectiva, a exigir investimento da sociedade?
Sou, evidentemente, adepto desta opção. Não exclusivamente por motivos morais ou éticos, mas também, digamos assim, pragmáticos. Uma sociedade que reduz o fosso entre ricos e pobres é mais segura. Para o perceber, não é preciso ir ao Brasil ou aos Estados Unidos, que no estudo da OCDE são praticamente equiparados a Portugal.
É mais necessário do que nunca desenvolver políticas sociais activas. Não inspiradas numa filosofia assistencialista, não assentes na esmola, não em paliativos que, embora aliviem a nossa (má) consciência, não resolvem o problema de fundo. É preciso valorizar instrumentos susceptíveis de criar oportunidades, como cria o microcrédito, genuinamente nascido por iniciativa da sociedade.
A questão é apurar se, individualmente, cada país tem condições para remar contra a maré. A dúvida é legítima. Se algum efeito a chamada globalização teve até hoje foi o de tornar os pobres mais expostos às crises, mesmo conjunturais. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, a que atravessamos pode, numa estimativa conservadora, custar 20 milhões de empregos, em todo o mundo. As previsões assustam: o número de cidadãos que (sobre)vive com menos de um dólar por dia aumentará em 40 milhões e os que não têm mais de dois dólares em mais de 100 milhões.