Durante os últimos anos o actual Governo desenvolveu enquanto pode o discurso da excelência das suas políticas e dos seus resultados.
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Há um ano e meio atrás, em véspera de eleições legislativas, eram esgrimidos os números do que apelidavam ser um equilíbrio orçamental virtuoso e consolidado. Como corolário disso o presente e o futuro eram radiosos. Foi a época do aumento generoso do funcionalismo público, do aumento generalizado de prestações sociais e do anúncio de grandes e variadas obras faraónicas.
Dezoito meses volvidos o quadro é o conhecido. Cortes a esmo de regalias sociais, diminuição radical de salários na administração pública, aumento generalizado de impostos, paragem por tempo indefinido da maioria dos principais investimentos públicos.
Claro que a culpa deste retrocesso é exclusivamente imputável à crise do sistema de crédito imobiliário americano, à consequente retracção económica e financeira europeia, aos especuladores internacionais, à banca gananciosa. É óbvio que, de acordo coma verdade oficial, teria sido o desastre total não fora a actual maioria governativa haver preparado a nação para tão injusto, quão cruel, impacto negativo das forças do mal.
Acredito que o grau de autismo é tal que até há muito boa gente na super estrutura governativa que acredita nesta história da carochinha. Aliás só assim se poderá compreender que os líderes do Governo, em detrimento de um trabalho empenhado e discreto, façam do seu dia a dia uma infindável pré campanha eleitoral.
Inaugurações de pequenas reparações de imóveis públicos, convenções sobre tudo e coisa nenhuma, congressos onde, contra tudo o que o bom senso aconselharia, se anunciam amanhãs que cantam.
O optimismo sustentado na acção consequente é necessário e saudável, o triunfalismo demagógico é prejudicial e perigoso. Em última instância, perante expectativas frustradas, conduz à depressão insuportável.
A intervenção do primeiro-ministro no congresso das empresas exportadoras aconteceu inteiramente nesta linha. José Sócrates ufanou-se com o que considerou ser um comportamento excepcional das exportações no último trimestre de 2010 e rejubilou com uma queda significativa das importações.
É verdade que notícias como essas, ou como a que aponta para um aumento significativo das receitas fiscais, são positivas. Só que devem ser vistas como indicadores estáticos e não como o resultado de uma qualquer mudança estrutural da economia portuguesa que, não só ainda não aconteceu, como, a ter ocorrido, nunca evidenciaria resultados com tal pressa e evidência.
As exportações aumentaram cerca de 15% graças ao mérito de um pequeno núcleo de empresas talentosas. No entanto era sensato referir que tal ocorreu porque, ao contrário da estagnação da nossa economia, outras houve que já começaram a crescer de forma sustentada. Entre elas, felizmente para nós, algumas das dos nossos principais parceiros comerciais.
Igualmente seria pedagógico referir que esse crescimento não correspondeu nem a um alargamento de mercados, nem a uma diversificação dos mesmos. Convinha ainda acrescentar que o número global de empresas exportadoras caiu.
Também no que diz respeito à quebra de 10% nas importações, era honesto esclarecer que tal não se deveu a nada de extraordinário, para além do que decorre da diminuição do poder de compra dos Portugueses e da retracção marcada do investimento. Por isso mantemo-nos numa taxa de cobertura das importações pelas exportações a rondar os 60% e, apesar de tudo isto, assistimos a um aumento contínuo do défice comercial - mais 80 milhões de euros no último trimestre do ano passado.
Era pois importante que o Governo acordasse para a realidade. Estes exercícios comicieiros de propaganda não acalmaram os mercados nem fizeram baixar as taxas de juros que oneram a nossa dívida que, esta semana, voltaram a atingir valores insuportáveis.
Era bom que o Governo entendesse que o seu destino, e principalmente o destino do País, estão ligados a outro tipo de parâmetros. No imediato à sua capacidade de fazer cumprir as metas de política orçamental a que nos obrigamos, a médio prazo aos resultados de reformas estruturais de que não vislumbramos qualquer sinal.
Era altura de José Sócrates nos explicar como e quando vai apresentar soluções para tornar competitivo o nosso mercado de trabalho, tornar solvente o nosso estado social, tornar eficaz a nossa justiça, tornar descentralizada e ligeira a nossa administração, tornar viável o sector empresarial do Estado.
Sem que tal aconteça, os congressos festeiros de nada valerão. Sem que o falhanço absoluto da acção do governo seja inquestionavelmente evidente, também de nada valerá o folclore polítiqueiro parlamentar pseudo radical.