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Este país já se celebrizou num espaço onde os contrastes e as contradições se afirmam como uma característica endógena à sua própria maneira de ser. Ou melhor, à própria consanguinidade do povo que o forma. Somos capazes de grandes epopeias, como somos passíveis dos estados de angústia e frustração que parecem apontar para o nosso fim histórico. Reunimos neste diminuto território as qualidades de um país tão moderno como os mais modernos, tão tacanho e atrasado como aqueles que não fugiram ainda a esse estádio. Cultivamos os princípios mais futuristas e avançados nas leis, nos costumes, na Moral, no Direito, como nos digladiamos por razões ancestrais e sem valor para tão grandes litígios públicos.
Provavelmente, o leitor achará retórica a mais e exemplificação a menos neste intróito. Não faltariam exemplos. Mas a memória curta de qualquer leitor e o acompanhamento sumário dos acontecimentos que fazem notícia por estes dias serão suficientes para tal como num simples puzzle o cidadão atento colocar as peças.
Num estádio (ou será mesmo Estado) de visível debilidade a que chegámos, trucidados pelos encargos da dívida externa em tempo de contas a sério pedidas pelos credores, de pagas ou morres, sem arcas de onde possamos debuxar ouro ou mirra para adiar a cobrança que nos leva a este aperto das condições financeiras e económicas do povo, estamos em alerta de crise política e social. O Governo está sem força. Sem maioria parlamentar e sem poder auto-referenciar o apoio da comunidade nacional que ainda possa ter, sem ir a eleições, esta outra originalidade justificada pela situação da debilidade externa e interna, está a impor as medidas "(pec)aminosas" de restrições com o apoio do PSD de Passos Coelho. E digo de Passos Coelho, pois este, cheio de realismo e porventura até inteligente calculismo, adiou o que outro PSD, por exemplo de Pacheco Pereira ou Ferreira Leite, já teria consumado - a queda do Governo de Sócrates.
Estamos, portanto, neste outro contraste: Passos Coelho sem estar no Governo já "governa". E dá os seus avisos ou ordens. Com prazos definidos que tanto podem ser até o final de 2011, como apenas até à apresentação do próximo Orçamento. Entretanto desafia Sócrates a "ter um golpe de asa" e a mudar de programa e remodelar o Governo.
Será esta situação insólita por bem da Europa, do país e do povo, de Passos Coelho ou de Sócrates?