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Ontem, o JN titulava a intervenção do Presidente da República relevando o facto de Portugal estar à beira de uma "situação explosiva". De facto a intervenção de Cavaco Silva referiu com dureza uma realidade factual: O País vai péssimo. Dívida pública descontrolada, dívida externa galopante, desemprego recorde, economia estagnada. E ainda se moderou muito o Mais Alto Magistrado da Nação, pois não foi cáustico com a justiça, com a manipulação da informação e outros sinais que apontam para a desagregação do Estado de Direito.
Dessa intervenção sobressaem três aspectos, aparentemente, paradoxais. O primeiro resulta do facto de nunca, até ontem, o Presidente ter feito um retrato tão negro da nossa realidade. Isto a um escasso ano das próxima eleições presidenciais - época em que o pragmatismo decorrente da vontade de reeleição normalmente motiva o silêncio cúmplice. O outro decorre de tal ser feito por quem, em quase todo o mundo, é o principal responsável pela vida de uma Comunidade/Estado, portanto o mais improvável porta-voz das péssimas notícias.
No entanto os aparentes paradoxos não retiram coerência ao principal actor político.
No nosso sistema semi presidencial, o Presidente não governa, paira acima da partidocracia. Pede-se-lhe que, consoante as circunstâncias, mobilize para o optimismo, aglutine as apreensões quando estas são significativas, interfira institucionalmente em casos particularmente graves.
Fica ainda de fora, o último patamar, que todos os outros presidentes tocaram, mas que por agora ninguém deseja ver atingido - é bom recordar, quando se critica rudeza da postura presidencial, que Eanes, Soares e Sampaio, por muito menos, dissolveram parlamentos eleitos. Cavaco ainda não o fez, nem aparenta desejar fazê-lo.
A realidade do País é de facto negra e há muito que muitos esperavam esta palavra do agente político mais responsável. Talvez o presidente ainda saísse mais credibilizado se tivesse responsabilizado de forma mais clara todos os principais responsáveis. Um governo pouco eficaz e semi paralisado, obviamente, mas também uma oposição que vagueia entre o irrealismo oportunista e a desorientação estratégica irresponsável.
Igualmente sairia mais reforçada a sua imagem de estadista, caso tivesse arriscado falar da influência de uma realidade europeia suicidária. Um continente sem rumo, em fase de desindustrialização, a assistir à partida paulatina dos serviços mais dependentes da qualificação e custo da mão-de-obra, em morte lenta nas pescas e na agricultura, numa estrita lógica defensiva dos interesses do abastado eixo rural franco/alemão. Ou seja, de um continente esmagado entre a "fábrica indo-chinesa", e a histórica capacidade de adaptação americana.
No entanto, a postura de Cavaco Silva garante-nos que este Presidente coloca o interesse do país acima do da sua reeleição. Coisa rara e salutar.
O Presidente também não sai diminuído por, momentaneamente, ser o profeta da desgraça. O sistema semi presidencial a isso o obriga. Antes alertar com veemência, do que instabilizar o País com uma dissolução parlamentar impensada ou partidariamente motivada.
Agora a "bola" está nas mãos dos partidos e, principalmente, do PSD. Um debate do Orçamento de Estado elevado e convergente é inadiável.
O PSD deve delinear a sua política alternativa e viabilizar o Orçamento, caso o PS aceite um núcleo duro realista das suas propostas. Um Polis Social para dar resposta aos problemas de mais de 1 milhão de Portugueses que vivem em bairros à beira da implosão social, uma política fiscal que aponte para uma harmonização fiscal ibérica a atingir numa legislatura e meia, uma padronização de um modelo de Estado Social perene e governável, são medidas que o afirmariam com único foco de poder alternativo. Uma ideia sobre a Europa e sobre o irrealismo de um acelerado calendário de convergência orçamental, complementariam com sensatez o discurso presidencial.
Tem a palavra José Pedro Aguiar Branco, o único com os pés na terra, numa direcção que há muito não existe..