Num episódio da série "House of Cards", o personagem principal Frank Underwood (entretanto caído em desgraça) diz, com a sua soberba habitual, que "nenhum político resiste a fazer promessas que não pode cumprir". O nosso primeiro-ministro deve ser fã da série. Esta semana foi mais uma. Depois de ter prometido, com pompa e circunstância, a deslocalização do Infarmed para o Porto, o Governo veio dizer que, afinal, isso não deverá acontecer. Para ser totalmente verdadeiro: o Governo suspendeu a decisão esperando pelos resultados de uma comissão... Isto, depois de já a ter suspendido uma vez à espera dos estudos... de outra comissão. O Governo comporta-se como aqueles amantes que, não tendo coragem de dizer que a relação acabou, dizem que é preciso fazer uma pausa para pensar.
Corpo do artigo
Esta é só mais uma de várias promessas renegadas. Depois de reverter as políticas do Governo anterior, o Governo entretém-se agora a reverter as suas promessas. Já sabemos como prometeu aos professores o que agora diz não estar em condições de cumprir. Ainda esta semana, tivemos outro exemplo: depois de ter prometido, e insistido, que iria equiparar as licenciaturas anteriores à reforma de Bolonha a mestrados, o Governo veio anunciar que isso não acontecerá.
Não quero discutir estas opções políticas em si. A precipitação com que as promessas foram feitas e a forma como são abandonadas diz-nos muito sobre a falta de preparação com que as decisões políticas são tomadas neste Governo. É o próprio Governo que o reconhece quando vem mais tarde invocar falta de estudos e informação insuficiente para justificar a mudança de posição. Primeiro promete-se o que é popular e depois estuda-se para ver se também é bom... Acima de tudo, esta prática diz-nos muito sobre o que o PM entende ser a política. Este primeiro-ministro repetiu inúmeras vezes que "palavra dada era palavra honrada". Se calhar, foi apenas mais uma promessa. E, com este Governo, promessas feitas são promessas desfeitas.
Política para António Costa é arte de transformar os desejos em promessas e o não cumprimento dessas promessas em alterações de circunstâncias. Tal como Frank Underwood, António Costa acha que o sucesso político se mede pelo sucesso na conquista e manutenção do poder e não pelo que se faz com esse poder. A esta luz, um problema só existe no país se for um problema político. Se a forma mais fácil de o "resolver" for uma promessa, essa será feita. Depois logo se vê. Ou se "alteraram as circunstâncias", ou é necessário mais estudo e informação ou... faz-se uma nova promessa. Como escreveu outro ex-político, também filósofo (Burke): a hipocrisia pode ser generosa nas suas promessas, pois, uma vez que não tenciona concretizá-las, isso não custa nada.
* PROFESSOR UNIVERSITÁRIO