Grandes Transições e Nova Economia Política
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Estamos no final do primeiro quartel do século XXI. As Grandes Transições (GT) estão a convergir muito rapidamente e anunciam uma mudança paradigmática de longo alcance. Lembremos, então, as principais transições:
1. Transição climática, a mudança de regime para o Antropoceno,
2. Transição energética, a descarbonização e circularidade da economia
3. Transição ecológica, a mudança de regime agroambiental e agroalimentar
4. Transição tecno-digital, a digitalização e a artificialização da economia
5. Transição laboral, a mudança na estrutura da produtividade do trabalho
6. Transição demo-migratória, a recomposição da estrutura social
7. Transição sociocultural, a mudança no capital simbólico e institucional
8. Transição geopolítica, a formação de um mundo multipolar
9. Transição securitária, as guerras híbridas e a cibersegurança
10. Transição democrática, em trânsito para uma democracia complexa
Estas grandes transições, devido à sua arritmia geral, geram um diferencial de custos e benefícios entre economias, criam zonas de impacto e afetam seletivamente a gestão do binómio produtividade-competitividade de todas elas. Falamos de custos e benefícios de contexto macroeconómico (monetários e orçamentais), burocrático-administrativos (fiscais), certificação e validação, sustentabilidade e regulação, mudança de escala e operação organizacional, os quais, em conjunto, determinam os custos e benefícios de oportunidade económica. É aqui que nos encontramos hoje, na zona de impacto de uma Nova Economia Política (NEP) e perante uma verdadeira mudança paradigmática. Esta é a razão pela qual é tão importante o investimento cognitivo e criativo que fizermos na NEP enquanto quadro interpretativo geral e instrumento de aproximação e convergência destas várias transições e seus custos-benefícios correspondentes. Vejamos, então, as diferentes versões da NEP criativa que decorrem destas grandes transições.
A mudança de regime climático para o Antropoceno obriga-nos a reconsiderar todas as operações de mitigação, adaptação, compensação e transformação, em resultado de uma reavaliação de risco significativo de acidentes climatéricos. A economia da prevenção e dos seguros de risco estará na primeira linha deste combate climático, para lá, obviamente, dos investimentos multirriscos e da mutualização do risco que é necessário realizar. A NEP criativa é fundamental para desenhar estes novos serviços de interesse económico geral e os seus bens comuns respetivos.
A transição energética, a descarbonização e a circularidade, obrigam-nos a introduzir novas lógicas de interesse geral como é o caso da economia e mercados do carbono, mas, também, de energias alternativas nas cadeias de valor logísticas e industriais e, de uma maneira geral, de novas métricas de sustentabilidade e circularidade que modificam substancialmente a estrutura de custos respetiva. A NEP criativa é fundamental para desenhar estas novas métricas de sustentabilidade e circularidade.
A transição ecológica, agroambiental e agroalimentar, obriga-nos a reconsiderar as cadeias de valor alimentares na sua plenitude, de montante para jusante, desde a biodiversidade, os recursos naturais e os serviços de ecossistema até aos sistemas produtivos locais e seus produtos certificados. A NEP criativa é fundamental para desenhar este compromisso e compatibilização, minimizar a entropia e maximizar a sinergia entre sistemas naturais e sistemas produtivos locais.
A transição tecno-digital, a sua digitalização e artificialização (IA), altera substancialmente todos os processos de transformação, produção e distribuição, e obriga-nos a reconsiderar a natureza e a escala das operações das empresas envolvidas, o ritmo da sua desmaterialização, assim como, o recrutamento e a qualificação de novos recursos. A NEP criativa é fundamental para desenhar os processos de digitalização e artificialização de uma organização, bem como a sua interoperabilidade extra e intrassectorial.
A transição laboral diz respeito a uma série de deliberações sobre a afetação dos recursos humanos e a produtividade do trabalho, em consequência de todas as alterações anteriores, e obriga-nos a reconsiderar a programação e o planeamento de uma nova política de recursos humanos, seja na contratação ou na prestação de serviços. A NEP criativa, neste contexto, é fundamental para desenhar o planeamento do insourcing e outsourcing e a literacia geral de uma organização.
A transição demo-migratória é uma mistura muito complexa de saldos naturais e migratórios de população, que nos obriga a um planeamento criterioso e atempado dos fluxos de recursos humanos necessários, tanto mais quanto, no nosso país, o saldo natural é desfavorável e o saldo migratório precisa de mais critério e regulação. A NEP criativa é fundamental para reequilibrar estes dois saldos e desenhar soluções diversificadas para problemas diferenciados.
A transição sociocultural assiste a uma mudança rápida do seu capital simbólico e social, em consequência de uma crescente debilidade das instituições mais convencionais,
lentas e burocráticas e, cada vez mais, substituídas pela digitalização e a inteligência artificial, bem como pelo lugar central desempenhado pelas redes sociais. A NEP criativa é fundamental para desenhar não apenas os serviços DIA (de digitalização e inteligência artificial), mas, também, a sua regulação em áreas críticas como os direitos de privacidade e os direitos de propriedade intelectual.
A transição geopolítica é, porventura, na fase atual, o elemento mais perturbador da ordem liberal em que vivemos. Medidas protecionistas, sanções e retaliações comerciais e aduaneiras estão a desglobalizar e a desregular a economia internacional e os grandes blocos procuram realinhar as suas fidelidades comerciais ao novo mundo multipolar em formação. A NEP criativa é fundamental para revisitar e rever algumas das principais cadeias logísticas e produtivas transformando-as, pelo menos parcialmente, em cadeias mais curtas, intrassectoriais e intrablocos.
A transição securitária é um corolário lógico da transição geopolítica, faz parte da chamada guerra híbrida que se estende do terrorismo puro e duro até à guerra cibernética mais sofisticada. Estamos completamente mergulhados em ambientes intrusivos e invasivos onde reina o capitalismo de vigilância e todas as suas guardas pretorianas. A NEP criativa é fundamental para providenciar as infraestruturas, equipamentos e interoperabilidades que são necessárias para assegurar às nossas sociedades um mínimo de risco e segurança.
A transição democrática, finalmente, é uma mistura, por vezes explosiva, de todas estas transições. As instituições, os mercados e as redes, são os instrumentais principais das nossas sociedades onde se jogam os pesos e contrapesos da ordem demoliberal. Infelizmente, no seio das grandes potências estão em formação barreiras de ódio e ressentimento que não deixam funcionar as instituições democráticas, vítimas da sua própria tolerância. A NEP criativa é fundamental, na sua formulação mais político-institucional, para repor o sistema de pesos e contrapesos e, dessa forma, contrariar a vertigem extremista e radical em que nos encontramos.
Notas Finais
O que acabo de dizer a propósito da NEP criativa é, de resto, extensivo a todas as áreas das ciências humanas e sociais. Sinto, aliás, uma espécie de estranhamento, um silêncio ensurdecedor, pela falta de compromisso desta grande área do conhecimento, na conjuntura, porventura, mais decisiva da história ocidental das últimas décadas.
No final, o investimento na NEP criativa e no seu modelo de linguagem generativo triangular – polity, policy, politics – visa, muito em especial, o desenho de novas lógicas de representação e ação coletiva, novos modelos de negócio, empreendimentos de fins múltiplos e projetos empresariais consociados que estarão associados ao desenvolvimento de áreas transversais como o ordenamento da paisagem e do património, a investigação e o desenvolvimento aplicados, as artes e a cultura experimentais, as cidades inteligentes e a cooperação multiterritorial, a nova economia da educação e literacia geral no quadro da inteligência artificial e dos novos modelos de linguagem, e na base de todos eles a nova constelação que associa os fins da bioeconomia circular e os meios da economia tecno-digital. Uma verdadeira revolução na ciência económica e, também, nas ciências humanas e sociais em geral. Voltarei ao assunto.