Não valerá a pena recordar que os gregos terão sido, nesta nossa Europa, o povo que mais sofreu na carne as consequências da crise global que, desde 2008, anda por aí a vaguear.
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Na Grécia, demasiados governos sucessivos foram maus, demasiados viciaram as contas (sem que ninguém, mesmo na UE, se tivesse mostrado interessado em escrutinar). Ora, quando a borrasca chegou, o barco grego tinha demasiados rombos no casco. Na altura, caía a Grécia, mas caíam também, por arrasto, outros países ou a Banca de outros países - daí, a ajuda financeira. Sabe-se, aliás, como tem sido difícil a distinção entre o Estado e a respetiva Banca porque, quando esta adoece, quem toma os antibióticos somos nós, gostemos ou não da mistela que nos impingem.
Hoje, a Grécia lá está de rastos, mas agora pode ir ao fundo, porque a questão será política, mas não sistémica. E é nesta altura que a Grécia se vê perante mais uma crise política. O Parlamento grego tinha de eleger o presidente grego e, normalmente, esta eleição consegue-se sem especial dificuldade. Mas estes não são tempos normais.
O candidato do Governo de Antonis Samaras foi Stavros Dimas. Quem é, perguntarão? Pois, não faço grande ideia, a não ser a circunstância de ter sido, sem especial fulgor, comissário europeu do ambiente e várias vezes ministro. As coisas não correram bem ao senhor, chumbado sem dó nem remissão em cada uma das três votações.
Teoricamente, não viria nenhum mal ao Mundo, e não viria mal particular à Grécia com este incidente desagradável. Só que, não conseguindo o Parlamento eleger o presidente, é como um dominó. O Parlamento é automaticamente dissolvido, cai o Governo e são convocadas eleições gerais, aqui marcadas para 25 de janeiro.
É assim que a questão muda de figura e fica "grave", porque tem sido dado como favorito o Syriza, partido apresentado como de extrema-esquerda. Favorito por pouca margem, mas favorito apesar de tudo. E logo palpitaram os corações "moderados" europeus (ai, Jesus!, que vêm aí os extremistas!), e logo palpitam os corações do mundo financeiro e das instituições financeiras internacionais, como o FMI (ai, Jesus!, que vêm aí os vigaristas que não querem pagar o que devem!).
Não tenho especial ou sequer residual simpatia pelo Syriza e pela forma, sempre a roçar o populismo, como apresenta as suas soluções ao eleitorado. Mas ainda tenho menos simpatia por esta atitude moderna, que consiste em olhar para as eleições - mas só quando não somos favoritos - como uma "aventura", um disparate juvenil que desaparece com a idade adulta e séria.
O FMI já suspendeu a ajuda à Grécia até à tomada de posse do novo Governo, forma de ameaça nada velada e escandalosa aos que queiram, eventualmente, escolher os "extremistas" do Syriza. Os "mercados", esses, nervosos, sensíveis e delicados como uma donzela do séc. XIX, iam tendo um chilique. A Bolsa grega, mal se soube que ia haver eleições, caiu 10%. O ministro das Finanças alemão, que decididamente tem problemas de contenção verbal, falou forte e grosso, todo zangado.
De facto, o Syriza, esses neomarxistas, como lhes chama o "Financial Times" (deve ser uma nova doença venérea), prometem que exigirão a renegociação da dívida grega e até um perdão parcial. Convenhamos que, para quem já pediu 240 mil milhões emprestados e conseguiu mais não sei quantos mil milhões perdoados, pode parecer algum topete. Mas a verdade é que, gostem ou não os credores, a Grécia está, literalmente, a sufocar debaixo de toneladas de dívida que, evidentemente, nunca conseguirá pagar. Na União Europeia, estamos todos a fingir, mas nenhum de nós acredita, que os estados devedores vão conseguir pagar, que os credores vão conseguir receber, e que todos ficaremos melhores, mais eficientes e produtivos.
E os gregos, esses malandros? Um terço está no limiar da pobreza ou da exclusão social, mais de 25% estão desempregados, e a recuperação de que tanto se fala consiste, este ano, em 0,6% de crescimento, logo devorados e mais do que devorados pelo serviço da dívida. Poderá suceder que, dia 25, os gregos entendam que não estão tão esplendidamente a recuperar; e que, morra Marta, morra farta, abracem o Syriza que, mesmo que com demagogia, pelo menos não lhes assassina a esperança.
Afinal, os moderados europeus, suaves na fala e com as suas soluções musculadas, têm sido o mais querido e delicado aliado dos Syrizas que por aí espreitam. Ou não?
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO