A palavra "grego", segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, é um adjetivo que significa, em sentido figurado, "obscuro, pouco claro, ininteligível, enigmático" - uma dificuldade, enfim, cuja origem o dicionário não logra esclarecer. Tratar-se-á de uma dificuldade "nossa" ou de uma dificuldade "alheia"? Refere-se às "dificuldades" da língua, da sua fonética, da sua ortografia ou antes refletirá desconfianças mais difusas e problemas de comunicação no âmbito do relacionamento complexo entre universos culturais distintos? Sabemos bem como a semântica é trabalhada pelos mais estúpidos preconceitos e a forma perversa como têm vindo a ser exploradas as dificuldades gregas para encobrir a incompetência e a cobardia dos responsáveis europeus. Certo é que a Grécia, transportada para o centro da tragédia em que hoje se joga a sobrevivência da própria Europa, constituiu-se num "oráculo" que desafia a nossa inteligência e desassossega a nossa imaginação, com os seus enigmas, severas advertências e paradoxos.
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Atravessando uma crise económica e social gravíssima desde 2005, a Grécia transformou-se nos últimos dois anos no balão de ensaio das políticas de austeridade impostas como contrapartida de sucessivos planos de resgate da sua "dívida soberana", impostos pela União Europeia e o Fundo Monetário Internacional. Foram estas as políticas que conduziram à situação desesperada em que o país desembocou. No último trimestre do ano passado a atividade económica diminuiu em 7%. Metade dos jovens entre os 15 e os 24 anos encontram-se no desemprego, que atinge dimensões inéditas. Foram previstos mais cortes nos vencimentos e pensões, reduções do salário mínimo que atingem os 30%, o despedimento de dezenas de milhares de funcionários públicos e um amplo programa de privatizações com que se pretende assegurar um corte superior a três mil milhões de euros nas despesas públicas. Enquanto no Parlamento os partidos da coligação governamental aprovavam estas medidas exigidas como condição para obter o novo empréstimo que lhes vai permitir pagar aos seus credores, na Praça Syntagma concentravam-se os manifestantes que exprimiam pacificamente a sua indignação e desespero ao mesmo tempo que grupos de provocadores aproveitavam a oportunidade para semear o caos e a destruição por toda a cidade.
As palavras do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, preconizando que a Grécia "renuncie a uma parte da sua soberania", acordaram as memórias dolorosas da resistência grega à ocupação nazi, na Segunda Guerra Mundial, e provocaram a legítima indignação do presidente Karolos Papoulias, que se sentiu obrigado a vir repudia-las publicamente e as classificou como injuriosas para o povo grego. Estranho é que tais insultos não tenham suscitado condenação generalizada por parte de todos os estados-membros da União, incluindo a Alemanha. Mas nem assim se comoveu a solidariedade europeia, assumindo contornos chocantes a continuada indiferença e até uma distanciação ostensiva, sobretudo, quando é proveniente de países que enfrentam dificuldades semelhantes, como sucede com Portugal. Não basta "denunciar o absurdo e a barbárie das terapias de austeridade" que continuam a acrescentar mais miséria à situação insustentável em que os gregos já se encontram, nem basta deplorar a ausência escandalosa da solidariedade europeia. O que está em causa é a destruição das instituições políticas gregas, as condições de governabilidade do país, o sistema representativo e a democracia constitucional, o próprio estado de direito soberano. Estão agendadas eleições legislativas para abril e adivinha-se a dificuldade extrema que vai marcar a próxima campanha eleitoral, a formulação das alternativas que irão ser apresentadas pelos partidos, as expectativas insatisfeitas com que serão confrontados pelos eleitores gregos, entretanto confiados à governação de um tecnocrata recrutado de entre a burocracia de Bruxelas, Lucas Papademos, que preside a um governo provisório de "salvação nacional".
(Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico)