Não dá, por definição, para agradar a ambos. E esta falta de convergência nos objetivos práticos de gregos e dos seus credores é tão trágica como boa parte da mitologia grega. A mesma que ironicamente iluminou culturalmente toda a Europa. A simbólica coincidência dos 70 anos de Auschwitz com a tomada de posse de Tsipras, recorda, por outro lado, como é possível fazer um caminho que, por falta de visão e de coragem, nos pode levar ao inimaginável.
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Talvez a imagem excruciante dos sobreviventes e do seu incurável sofrimento devesse fazer escolher, já, uma via corajosa e exigente. A via que aconselha um tratamento de exceção, claro, eficaz, sensivelmente atenuante do fardo ainda que, obrigatoriamente, responsável.
A Grécia deve mais de 300 mil milhões de euros. Não pode pagá-los nem que para isso deixe simplesmente de comer. E na verdade não está tão longe disso como se possa pensar. Nos últimos anos (sobretudo desde 2011) a Grécia diminuiu em cerca de 40% o consumo de bens e serviços.
Não se tratou de substituição de exportações por importações, não se tratou de um acréscimo de autossuficiência por via de uma maior produtividade interna. Tratou-se de pobreza, quase a roçar a crise humanitária.
Não sei se todos temos consciência de que a Grécia tem um desemprego de 27%, que atinge os 50% nas camadas mais jovens e que 20% dos seus cidadãos com mais de 65 anos estão abaixo do limiar da pobreza.
Pergunta-se para que terá servido então o volume massivo de meios financeiros carreados para a Grécia através dos mecanismos de resgate da União.
Serviram essencialmente para pagar juros e para devolver aos credores o valor das dívidas que se vão vencendo.
Como li algures esta semana, tudo poderia ter sido feito de forma mais fácil. Podia ter-se pago a partir do fundo europeu de resgate diretamente aos credores. Mas isso seria demasiado embaraçoso. Ficaria muito claro que se está sempre a proteger os credores em primeiro lugar.
Assim, sempre se insiste na tónica do programa de ajustamento e das reformas que não se conseguem fazer em países onde a recessão e o desemprego são tão brutais.
Até agora não se percebeu, e muito menos se assumiu, que não há forma de ultrapassar este raciocínio para o caso grego. O enfrentamento que o Syrisa não deixará de protagonizar foi a única resposta que o povo encontrou.
Acontece que o jogo ficou muito mais perigoso. Se por um lado, os mercados parecem apenas reagir castigando de forma marginal por exemplo Portugal e a Irlanda (ainda assim com uma pequena subida nas taxas de juro a médio e longo prazo) por outro, o Governo grego assume com uma rapidez estonteante uma série de decisões que levarão seguramente à banca rota.
Se na Europa persistir o politicamente correto, se a Alemanha achar que o programa de injeção de liquidez do BCE (que a Grécia não tem capacidade para usufruir) é o máximo que pode fazer, então a Grécia acabará por sair do euro num movimento sem qualquer hipótese de deixar incólumes os restantes países da Zona Euro.
Na melhor das hipóteses, ou seja, mesmo que a instabilidade financeira não seja imediata, a integridade do projeto europeu sofrerá um dano irreversível. O precedente da "desfiliação" europeia, ou mesmo que apenas do euro, é um rombo provavelmente irreparável na evolução da construção europeia.
Ora isto numa altura em que a Rússia aparece de novo associada a tentações imperialistas, e a guerra pelo domínio do mercado da energia ainda está a começar, faz olhar com pavor e não já apenas com desolação para as imagens do campo de concentração polaco.
E o pior é que, a ser assim, a Grécia não tem dúvidas sobre de que lado ficará. Tsipras também já o sinalizou ao expressar desacordo sobre a posição europeia no que diz respeito à crise na Ucrânia.
Para quem só pode assistir à parte visível dos acontecimentos, parece muito pouco esperar que Tsipras seja mais Lula do que Chávez e que na Europa alguém tenha a coragem de imitar Churchill.