Os trabalhadores da CP cumprem, hoje, o 22.º dia de greve desde o início do ano. O balanço é impressivo e não restam grandes dúvidas que será encarado pelos sindicatos como uma grande vitória política e um valioso trunfo de negociação.
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Já na ótica de quem utiliza os transportes públicos para as suas deslocações diárias, estaremos perante uma desastrosa prestação de serviço, que afetou mais de um terço do tempo decorrido em 2023.
Com esta persistência no recurso à greve, torna-se difícil não argumentar a favor dos utentes, que são vítimas da absoluta indiferença dos representantes dos trabalhadores e não têm direito a direitos absolutos, desde logo a alternativas e, muitas vezes, a serviços mínimos - na greve de 14 dias em fevereiro, por exemplo, os mesmos foram dispensados porque o tribunal arbitral considerou não existirem "necessidades sociais impreteríveis". Mas esta obstinação grevista na CP resulta noutros prejuízos, que não os sociais, e que se resumem na perda sistemática de valor de uma empresa que é alvo, desde 2015, de generosos aumentos de capital por parte do Estado, para se manter viável e, pasme-se, prestar um serviço público que os seus funcionários parecem recusar-se a compreender.
No Direito, há muitas interpretações sobre o abuso do recurso à greve, tendo em conta os critérios de proporcionalidade e de necessidade. Não é o âmbito deste artigo discutir a questão jurídica, ainda que a mesma possa e deva ser debatida. Mas importa refletir, sobretudo, sobre o enorme impacto social e económico que estas decisões acarretam para o país.
Com esta prática, a CP arrisca tornar-se uma nova TAP para os contribuintes, insustentável do ponto de vista financeiro e irreformável do ponto de vista operacional. O processo de liberalização do transporte ferroviário de passageiros tem falhado de forma sucessiva, essencialmente por culpa do mau estado da infraestrutura e da indecisão do Governo face à alta velocidade. Mas essa realidade, espera-se, não vai durar para sempre e a CP vai ter mesmo de se ajustar a um mercado não-monopolista. Enquanto andar distraída com lutas sindicais, o comboio vai passando e o tempo para mudar fica mais curto.
*Presidente Associação Comercial do Porto