A carga policial contra os manifestantes que ontem se juntaram na Assembleia da República para, durante hora e meia, atirar pedras da calçada contra o corpo de intervenção da PSP fechou, tristemente, um dia de justificado protesto contra a dor que está cravada na alma dos portugueses e que se exprime, todos os dias, na exiguidade dos rendimentos.
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No seu auge, o cenário de desordem foi o espelho do que tem acontecido em outras cidades europeias cujos cidadãos vivem, como a maioria dos portugueses, os piores dias da sua vida: simplesmente sem um pingo de esperança no que há e no que haverá.
Isto não justifica, como é evidente, a agressão gratuita ao corpo de intervenção. Estou certo, aliás, de que os milhares de pessoas que decidiram perder um dia de salário para engrossar o coro de protestos contra a situação do país não aplaudem a atuação dos grupos radicais que cavalgam a indignação genuína para semear o caos.
Pagam muitos justos por alguns pecadores? É verdade. Em casos como estes, sempre assim foi e sempre assim será. O problema é que não há outra forma de tratar o problema: a partir de determinada altura, a falta de ação policial tem custos mais elevados do que a intervenção, na exata medida em que a autoridade dos agentes é posta em causa e, por essa via, faz subir o sentimento de impunidade entre os agressores.
Num Estado de Direito, como supostamente ainda é este em que vivemos, uma legítima greve geral não pode transformar-se, ou terminar, numa batalha campal, sob pena de virarmos de pernas para o ar e num ápice o que nos custou anos e anos a construir: uma sociedade que, apesar de apertada no presente e carregada de medo quando olha para o futuro, sabe viver como comunidade, como, de resto, ficou evidente nos gigantescos protestos de 15 de setembro.
As organizações sindicais que convocaram a paralisação deveriam ser as primeiras a criticar com vigor o execrável episódio de ontem (à hora a que escrevo não ouvi nenhuma declaração nesse sentido). Não o fazer traduzir-se-á num duplo erro.
Primeiro erro: os grupos radicais que ontem apedrejaram a Polícia sentir-se-ão abençoados e até desejados - a tensão é o seu combustível - e a tensão só tende a crescer nos próximos tempos e, logo, nas próximas ações de protesto.
Segundo: as dificuldades dos sindicatos em encontrar formas capazes de acolher os novos protestantes (aqueles para quem a ideologia não conta e que até veem no sindicalismo puro e duro uma coisa do passado) são crescentes - e continuarão a crescer, se os responsáveis pelas estruturas sindicais não souberem interpretar os sinais oferecidos por atos de selvajaria como os de ontem.