É muito ténue a linha que separa a confusão subjacente à ingovernabilidade de uma sociedade e uma vida feita de sacrifícios quase sub-humanos. Assim como assim, os causticados pelo sofrimento encolhem os ombros e no curto poder decisório de que dispõem em democracia preferem arriscar a generalização das dificuldades.
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Penalizar o défice moral e a subserviência dos políticos a modelos económicos tecnocratas traçados a régua e esquadro - ou projetados em folhas em Excel - é hoje, em larga medida, o corolário da falta de sensibilidade social e do egocentrismo. E a falta de recuo nas práticas oportunistas abre oportunidades à atração pelo populismo.
Eleito deputado federal pela piada subjacente ao seu estatuto de palhaço semianalfabeto (pior não fica), o fenómeno Tiririca marcou há uns anos o sentimento dos brasileiros e foi glosado de múltiplos ângulos. Não foi o primeiro e muito menos o último exemplar. Teve apenas o condão de marcar um discurso angelical bem menos perigoso do que outros, xenófobos ou de cariz justicialista.
Fresco e relevante, por estes dias, é o resultado produzido pelas eleições em Itália - embora tratando-se de um país especialíssimo pelo sucessivo soçobrar da estabilidade dos partidos políticos e dos governos. Renascido das cinzas e suportado pelo poderio dos seus próprios meios de Comunicação Social, Silvio Berlusconi baralhou as contas da Esquerda protagonizada por Bersani. Um espanto relativo. Bem mais relevante foi o castigo nas urnas de Mario Monti, o elogiado primeiro--ministro nomeado e instruído para a aplicação de políticas de austeridade, em contraponto aos 25% - sim, 25%! - de sufrágios obtidos pelo Movimento 5 Estrelas, encabeçado pelo ator e cómico Beppe Grillo.
Somado ao prévio desprendimento de 70% dos salários de 15 representantes eleitos na Sicília, o discurso anticorrupção e a formação de listas de deputados constituídas por estudantes, desempregados e donas de casa redundaram no êxito de um "saco de gatos" especialista no protesto. Uma parte dos italianos trocou a retórica institucional e adotou a velha teoria do perdido por um, perdido por mil. E logo se verá.
O resultado das eleições em Itália, no fundo, pode e deve constituir-se em mais uma lição para a política, um pouco por todo o Mundo - mas com relevância na Europa.
Em democracia, o voto popular legitima o poder político, mas escrutina-o e castiga-o sempre e quando dele se serve ou subverte práticas. Pior só mesmo tentar impor modelos de sociedade pela via estritamente tecnocrata. E é fácil prever próximas réplicas do caso italiano em vários outros países da Europa, incluindo Portugal. Basta aparecerem populistas.