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A Casa dos Segredos, o "reality show" da TVI, tem colocado a nu a ignorância de um grupo de jovens. E o país fica entre o basbaque e o deliciado com tanto analfabetismo, precioso auxiliar do "voyeurismo" alimentador do sucesso de audiências - o qual até leva alguns pais a igualmente fazerem figuras tristes, ora mostrando-se nas pseudogalas ora noutros espaços de programação.
Saltitante nos protagonistas, multiplicam-se os exemplos de boçalidade.
Ora então registem-se alguns:
"Tu podias ser guarda-redes de básquete" - diz Marco para Ricardo.
"Não gostava muito de ir para Inglaterra. Se eu fosse para fora gostava de ir a Londres", considera o mesmo tipo.
"Um conjunto de porcos é uma varada!", ou a sapiência de uma tal de Fanny para quem "a energia renovável produzida pelo vento é a luz".
"Um país da América do Sul? África", responde Cátia à "Voz".
"Ó Fanny, como é que se chama um conjunto de peixes?", pergunta o mesmo dito cujo Marco à mesma tal de Fanny, para obter uma resposta surpreendente: "Escamas!".
Está o leitor chocado? Em vez de chorar, já se riu o bastante, imaginando cada um dos sujeitos ignorantes portador de umas enormes orelhas de burro, dando-se o caso de serem, todos eles, incapazes de perceber o ridículo?
O nível cultural (e comportamental) degradante da Casa dos Segredos terá um desconto - os concorrentes foram escolhidos a dedo para poderem garantir audiências à custa da estupidez. Feitas todas as ponderações, não deixam é de representar uma parte substantiva do país.
Se Portugal fosse habitado em exclusivo por sábios seria, com toda a certeza, bem melhor. Transformado tal cenário numa impossibilidade, resta, assim, aproveitar os maus exemplos como alertas susceptíveis de dotar a sociedade de alguma capacidade de melhoramento - ou regeneração. E, cá entre nós, o registo/aproveitamento feito nas televisões da ignorância de muitos cidadãos espraia-se pelas chamadas "vox populi" nas quais o ar zombeteiro de alguns telespectadores é o justificativo bastante para pôr na montra pública cultura geral a rondar o nível zero - ou abaixo dele.
Os parâmetros são o que são e só por isso não será tão valorizável quanto o justificariam em condições normais as conclusões ontem retiradas pelo governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, sobre a iliteracia dos portugueses sobre matéria económico-financeira. "Cash flow", "EBITDA", "VMOC" ou "Due Diligence" são termos sobre os quais não faz sentido exigir um domínio genérico dos cidadãos. A existência de 60% de portugueses, sobretudo jovens e desempregados, incapazes de perceberem os termos de um contrato financeiro e das taxas (spread) a que se sujeitam quando subscrevem um empréstimo bancário já é de outra índole.
A ignorância do tipo Casa dos Segredos é, apesar de tudo, anódina. A que tem que ver com o bolso de cada um já não é tanto assim. E essa diferença é fundamental para exigir algo de primário às entidades bancárias: pedagogia e não aproveitamento em causa própria de portuguesinhos limitados nos conhecimentos.