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Vivemos intensamente a intranquilidade e a insegurança de guerras não apenas pelas imagens e relatos que pelos órgãos de comunicação nos vão chegando, mas também pela ameaça do seu alastramento através de atos pontuais de terror e até por uma extensão dos próprios espaços bélicos. Espaços estes que contemporaneamente, mediante a utilização massiva de projéteis diversos, não implicam mais estritos campos de luta. Como escreveu Clara Ferreira Alves, “se a guerra fosse a ofensiva terrestre, estaríamos à espera da guerra, naquela mistura de tédio e impaciência que precede os acontecimentos históricos”. Mas assim não é.
Nunca conseguindo ficar longe, constatamos, isso sim, com a imensa desagregação da humanidade e do humanismo, o acrescido papel mortífero de violências sempre justificadas por uns contra os outros, em nome de causas, de bens, de territórios, de poderes, de interesses que, em prol de alegadas vítimas, geram mais vítimas tantas vezes inocentes.
Para Thomas Hobbes, seria necessário um Estado governado por um soberano capaz de garantir, perante o egoísmo humano, a existência de um contrato social que garantisse a paz. Para Rousseau, o ser humano era naturalmente bom, devendo a educação evitar a sua infelicidade e desagregação moral pela sociedade e pelo poder político, servindo ainda o contrato social, por isso mesmo, para transferir a soberania do governante para o povo, condição de onde emergiria o Estado justo.
Recordamos, entre muitos outros autores possíveis, dois daqueles que balizaram os principais referenciais da inquietação moderna relativamente às intempestividades belicosas dos nossos comportamentos. Mas a verdade é que chegamos aos nossos dias sem termos conseguido instaurar de facto aquela que deveria ser a normalidade da paz. Mais inquietante ainda é que as guerras são normalmente desencadeadas e mantidas em nome da paz…
Tornados espectadores impotentes das guerras mas, apesar de tudo, por vezes sensíveis às suas razões, sentimo-nos, também por vezes, contraditórios denunciantes cúmplices da sua crueldade. Se no emaranhado de sentimentos dramáticos com que pintou a “Guernica”, Picasso encontrou espaço para uma luz de esperança de que é portador um braço decepado, será talvez especialmente tocante se tentarmos olhar este quadro com a intensidade da dor, da ansiedade, do medo e da solidão do olhar vazio com que nos impressiona a inquietante personagem de “O Grito”, de Edvard Munch.
*ISCET-Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo/Obs. da Solidão