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Desde o início desta crise internacional, suscitada pela intervenção militar da Federação Russa em território ucraniano, que se esperava mais da ONU. Sabemos que a Organização está manietada pelos membros do Conselho Permanente onde, nomeadamente, se sentam os EUA, a China e a Rússia. Nos primeiros dias, o secretário-geral, o nosso Guterres, praticamente desapareceu. Ou então emergia aqui ou ali para dissertar sobre a subida das águas e o extraordinário aquecimento do planeta. A dada altura, porém, não pôde mais furtar-se às evidências e embrulhou a matéria numa "crise humanitária", acabando, na Primavera, por aparecer na zona em encontros com o regime de Kiev e em visitas a locais específicos, anteriormente massacrados pela intervenção e pelas respostas militares autóctones à intervenção. Guterres deixou-se fotografar nesses locais e produziu declarações não totalmente "brancas". Isto é, falou explicitamente de guerra e da necessidade de se apurar onde e como existiram, e existem, crimes de guerra e violações desbragadas do Direito Internacional, valha este hoje o que valer. Naquela mesa infindável do Kremlin, encontrou-se com Putin a quem exprimiu, no seu inglês macarrónico, e delicadamente, as preocupações da Organização face ao que se estava a passar, na altura, com especial incidência em Mariupol. "Corredores" humanitários foram então abertos e fechados, fechados e abertos, mas o apelo ao cessar-fogo de Guterres não obteve sucesso. Há dias, ele e Erdogan encontraram-se com Zelensky em território ucraniano, e deram uma conferência de imprensa conjunta. Tratava-se, e trata-se, agora, de garantir a segurança das exportações de toneladas e toneladas de bens alimentares para evitar, ou mitigar, as desgraças que não deixaram de ocorrer entretanto, designadamente em África, apesar da concentração "ocidental" na Ucrânia. Guterres esteve no porto de Odessa, gostou do que viu, mas quer naturalmente mais. Mais barcos a sair com produtos ucranianos e russos. Apelou para a exportação, e aceitação subsequente, de fertilizantes de origem russa. Mas, sobretudo, tratava-se da segurança da maior central nuclear da Europa, de Zaporizhia, e zonas adjacentes, ocupada pelos russos e atacada, de fora, pela tropa ucraniana. Guterres pediu paz, pelo menos ali. Erdogan jurou ir falar com Putin a seguir, sempre pedalando a bicicleta turca. E Zelensky, com cara de bebé chorão, deixou logo claro para os dois interlocutores que só haverá paz quando a Rússia sair de todos os espaços ocupados, incluindo a Crimeia. Em contacto telefónico com Macron, Putin "abriu" as portas da central à agência internacional que audita a segurança nuclear, "fechando" momentaneamente o acesso ucraniano à electricidade ali produzida. O que Guterres contestou imediatamente por se tratar de equipamentos em solo da Ucrânia onde a guerra continua. Em suma, e para variar, Guterres bem.
*Jurista
o autor escreve segundo a antiga ortografia