Hoje é o Dia da Criança. Não confundir com o Dia Mundial da Criança que se assinala a 20 de novembro. Os dois coexistem e são aceites pela Organização das Nações Unidas (ONU). Ambos defendem os direitos das crianças e alertam para a necessidade de lhes assegurar cada vez melhores condições de vida, de modo a garantir o seu desenvolvimento pleno e saudável. Mesmo para aqueles, como eu, que não apreciam dias disto e daquilo, este dia dedicado aos mais novos é um dia especial. Porém, desde que a guerra na Ucrânia começou é impossível deixar de pensar no pesadelo das crianças vítimas de guerra.
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A UNICEF e outras organizações humanitárias internacionais estão no teatro de guerra e constatam que as crianças estão a ser vítimas de violência de diversa natureza, de traumas dificilmente ultrapassáveis, de destruição do mundo à sua volta, de deslocamento do seu ambiente familiar, de perda da família..., enfim, há meninos e meninas que estão a ser mortos, feridos, estropiados, violentados com uma brutalidade que a Europa não conhecia desde a Segunda Guerra Mundial.
A ONU e várias organizações humanitárias estimam - sim, estimam, porque, numa situação de guerra como a que se vive na Ucrânia há mais de um ano e três meses, é impossível ter a certeza absoluta sobre o que quer que seja, nomeadamente sobre o número exato de vítimas -, portanto a ONU estima que milhares de crianças já morreram em consequência dos ataques russos; milhões de crianças estão refugiadas em vários países; milhares de crianças estão deslocadas em centros de acolhimento dentro da Ucrânia; quase 20 mil crianças foram deportadas para a Rússia, o que coloca em risco o futuro da nação ucraniana.
Perante a catástrofe que estes números representam, é impossível ficar indiferente à hipocrisia do regime de Moscovo. É impensável calarmos a revolta perante as palavras de mentira do Presidente Vladimir Putin na televisão estatal russa. Sem qualquer pudor, afirma que o regime de Kyiv bombardeou, com drones, edifícios residenciais em Moscovo enquanto a Rússia só bombardeia alvos militares na Ucrânia. Acusa a Ucrânia de, com esses ataques, estar a levar a cabo um ato terrorista para intimidar os cidadãos moscovitas, quando a Rússia só quer proteger o povo ucraniano. A Ucrânia nega os ataques, mas até pode ter atacado. A Rússia, contudo, ataca tudo e todos sem dó nem piedade.
A história evidencia que numa guerra vale quase tudo, mas, nesta guerra da Rússia na Ucrânia, vale mesmo tudo. Devido à voracidade dos media, das redes sociais e da teia da comunicação em geral, somos confrontados com a guerra em direto e com a hipocrisia de um agressor que se considera de inteligência superior a todos nós e acima do direito internacional, capaz das maiores violações do direito humanitário por se julgar imune a todas as leis.
É claro que as declarações do líder russo são mais para dentro - para os russos - do que propriamente para fora, porque sabe que quem vive em regimes democráticos, com imprensa livre, tem acesso a informação que contraria o seu discurso oficial. Ainda assim, este tipo de declarações deveria merecer a censura internacional. Se houvesse coerência na política internacional, Putin seria censurado publicamente pelos líderes de todos os países civilizados, democráticos e livres. Assim, fica a falar sozinho, a propagar desinformação na Rússia e a continuar a guerra abjeta na Ucrânia.
Há uns dias, o chefe da política externa da União Europeia, Josep Borrel, dizia que a Rússia já perdeu a guerra, mas a Ucrânia ainda não a ganhou. Sei o que queria dizer, mas, como na história também se aprende, uma guerra sabe-se como começa, mas não como acaba. Eu não aventaria essa possibilidade por agora, ainda que a deseje abertamente. É que apesar de, nesta guerra, quase nada ter decorrido de feição à Rússia, o certo é que a Ucrânia, mesmo com toda a sua surpreendente capacidade de defesa e de ataque, está longe de ganhar esta guerra. Aliás, não se vislumbra ainda qualquer possibilidade deste inferno acabar. Esta guerra está para durar.
* Historiadora (HTC - CFE - Nova FCSH)