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Sim. O processo de elaboração e apresentação do Orçamento do Estado (OE) decorreu debaixo do imperativo da "estabilidade política", por onde passa a paz parlamentar para servir o "interesse nacional". Trata-se de objetivos propagandísticos que só em forma abstrata coincidem com os interesses da maioria da população. O formato minimalista foi escolhido em nome da transparência e da eficácia. Contudo, é apresentado um OE cheio de marosca, em que o equilíbrio orçamental não passa de austeridade camuflada, e não se identificam as implicações do aumento da despesa militar.
Vamos ter a continuação das políticas seguidas pelo PSD/CDS em que as receitas ficam aquém do previsto, mas a despesa ainda se apresenta mais distante do projetado, fruto de "execução incompleta de várias dotações orçamentais" (Ricardo Paes Mamede, in Público, 10/10). Neste OE, continuaremos a ter pouco investimento público.
Os OE podem ser despidos de conteúdos que só têm implicações residuais no Orçamento, embora, muitas vezes, o facto de haver espaço para "todos os assuntos" tenha permitido às forças mais pequenas conquistarem bandeiras importantes. Todavia, há temas que, mesmo numa versão minimalista, têm de ser expostos em toda a sua dimensão. Refiro dois.
Primeiro, a política fiscal "está no centro de qualquer OE", logo, não pode ser apresentada genericamente. O que o Governo avançou dá para perceber que os acionistas da banca e de grandes empresas vão receber chorudas prendas, enquanto aos trabalhadores serão oferecidas umas migalhas que, a prazo, serão pagas pelos próprios com perdas nas reformas e na proteção social, na saúde, no ensino, na habitação. Estes impactos não são tratados no OE. O Governo leva "o IRS e o IRC individualmente ao Parlamento" não para um "debate sério, profundo e informado", como diz Miranda Sarmento, mas sim para ganhar apoios parlamentares.
Segundo, a dimensão e qualidade do emprego público tem uma influência quantitativa e qualitativa em todo o emprego. As práticas seguidas na Administração Pública são um forte sinal para o setor privado. O Governo, ao não tratar as políticas de emprego e ao afastar o seu Pacote laboral da discussão orçamental, ganha espaço para uns floreados generalistas em véspera de eleições. Além disso, esconde uma carga de veneno que vai lançar sobre o emprego e as relações de trabalho.
A forma como tem sido gerida a preparação e discussão do OE para 2026 é um maná para o liberalismo económico e para os objetivos das forças ultraconservadoras. Anunciar intenções como sendo execuções e olvidar políticas dolorosas são estratagemas que servem a estratégia do PSD/CDS e dos seus aliados políticos - Chega e Il. Servem o presidente da República que agora acordou para a preocupação com as crises políticas. Já não é claro que o PS, em nome do interesse nacional, tenha algo a ganhar dando passagem a um OE desastroso. O medo e a falta de alternativa só conduzem à derrota.