"Há, mas são verdes!", respondi eu, todo lampeiro, mal o professor de Português do 4.oº ano, no Liceu Alexandre Herculano, soltou um ah! espantado, já não me lembro bem a que propósito. O dichote desafiador pô-lo com uma cara que me fez logo suspeitar que a esperteza me poderia sair cara.
Escondi-me no silêncio da sala quando o professor perguntou quem tinha dito a graçola. E assim me mantive, acobardado, quando o professor ameaçou marcar uma falta de castigo a todo a turma se o autor da brincadeira não se acusasse. Fiz rapidamente as contas. Seria muito mais fácil de explicar em casa uma falta de castigo coletiva do que uma individual. E continuei calado.
"Foi este menino aqui" - o dedo indicador de um colega, apontado a mim, aliviou o silêncio pesado da sala e tramou-me. Vá lá que com este episódio do "há, mas são verdes" aprendi para toda a vida a lição de que nunca, em circunstância alguma, tomar como garantida (ou até provável) a solidariedade de colegas, amigos ou conhecidos.
Mais tarde, já jornalista, numa luta pelo poder no "Comércio do Porto", foram a experiência e sabedoria ganhas com a falta de castigo do 4.oº ano que me permitiram a encarar com serenidade e sem grande surpresa a atitude de um colega, a quem, há poucos meses, eu evitara o despedimento, de se manifestar encarniçadamente contra mim e bandear-se para o lado do tipo que o tinha querido despedir.
Não gostei, mas percebi perfeitamente. Ao alinhar com o partido que se adivinhava vencedor, o transfuga tentava acautelar o seu futuro. O caráter é sempre a primeira baixa, quando cedemos o primado à ambição. Errar é humano, mas ainda é mais humano atribuir a culpa a outros.
Todos nós apreciamos o conforto de ter na nossa rua um conjunto de contentores que recolhem o lixo para reciclagem, mas ninguém os quer em frente da sua porta.
Todos nós apreciamos a conveniência de ter uma ATM junto de casa, mas ninguém a quer ter mesmo no seu prédio porque os ladrões não são burros e agora em vez de roubarem bancos assaltam o multibanco, porque nas máquinas há sempre dinheiro e nas agências nem tanto.
Todos nós somos a favor da incineração dos resíduos sólidos (o nome que agora se dá ao lixo) mas ninguém quer que ela seja feita no seu concelho.
Todos nós compreendemos que a despesa pública tem de baixar, que o Estado não pode continuar a gastar como gasta, contanto que sejam outros e não nós a sofrer com os inevitáveis cortes que o emagrecimento do aparelho de Estado acarreta.
Por isso, todos temos de fazer um esforço para compreender a decisão dos 13 juízes do Tribunal Constitucional de não abdicarem do direito de (eles e todos os colegas da Função Pública) receberem o subsídio de férias.
