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Lembro-me sempre da imagem de uma senhora que se apressava a tossir muito incomodada à passagem de um fumador. Vivíamos nos primeiros tempos do antitabagismo e aquela contração espasmódica era só o prenúncio do que havia de vir até chegarmos às imagens pungentes de um moribundo impressas no maço de tabaco com a legenda "Deixe de fumar já - pense em quem gosta de si".
Não me interpretem mal, as medidas antitabágicas são uma boa medida de saúde pública, tornaram muitos sítios respiráveis, tiraram muita gente do vício e deram-nos a multiplicação das esplanadas. O que me incomodava no tossir daquela senhora é que ela estava num passeio junto a uma torrente de carros que passavam com os seus escapes fumegantes, mas só o queimar do tubinho de papel com tabaco é que provocava o tossicar.
De facto, às vezes, só olhamos mesmo para onde nos querem apontar e aquilo que nos rodeia parece invisível. Mas na semana passada foi revelado um estudo do Banco Mundial que deveria suscitar uma análise mais inteligente sobre o fumo que nos anda a matar. Segundo esse organismo mundial, "a poluição do ar tem emergido como a forma mais mortal de poluição e o quarto fator de risco principal para mortes prematuras em todo o Mundo". Para esse estudo, em 2013, a soma das mortes por poluição ambiental e por poluição no interior de casas (devido a utilização de combustíveis sólidos para aquecimento e para cozinhar) provocou uma em cada dez mortes e custou à economia global cerca de 200 mil milhões de euros em rendimentos de trabalho perdidos.
Claro que a situação é muito mais grave nos países em vias de desenvolvimento, como a China, onde a contestação às questões ambientais pode mesmo tornar-se mais disruptiva do que o capitalismo. Mas mesmo a OCDE, uma organização onde pululam países desenvolvidos, prevê que, a manter-se esta trajetória, o número de mortes prematuras triplique em 2060.
Devíamos por isso estar bem mais atentos ao que se passa nas nossas cidades, nomeadamente quando a tendência global é para a urbanização. Precisamos de melhor planeamento, mais transportes coletivos, mais espaços verdes e precisamos, especialmente, de uma atitude mais crítica e vigilante que não permita que casos como os da Volkswagen passem sem ser detetados. E quem fala de automóveis também fala de instalações industriais.
Não vai ser fácil, mas quando os comportamentos que provocam a poluição ambiental suscitarem tantas reações negativas como suscitou o tabaco, então todos respiraremos melhor.
* SUBDIRETOR