<p>O tom do discurso de Cavaco Silva, a confirmar o édito de Marcelo Rebelo de Sousa, para apresentar a sua recandidatura a um novo mandato, deixava antever que a notícia da ruptura das ditas "negociações técnicas" fora apenas adiada. De resto, sem ingenuidades, tendo em conta o que se vinha passando na arena política, tudo indicava que, quando o actual inquilino do Palácio de Belém anunciasse a sua disponibilidade para nova reeleição, o resultado das negociações ditas "técnicas" teria de estar acertado. Positivo, era o prognóstico da grande maioria dos analistas e dos "angustiados" homens de finanças que, nestes últimos tempos, clamavam por todo o lado a necessidade de ter um qualquer orçamento. Mesmo mau. </p>
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As acusações mútuas com que acaba este fracasso, quer da parte de Eduardo Catroga quer do lado do ministro Teixeira dos Santos, são graves. E, porventura, vão ser terrivelmente nefastas. "Mentira" e "má-fé" são acusações politicamente, e não tecnicamente, fortíssimas.
Mas esta ruptura vem colocar a questão no plano em que ela sempre esteve: no plano político. E é neste plano que ainda resta uma hipótese de deixarem passar o OE, afinal, na sede dessa aprovação ou rejeição, a Assembleia da República.
No plano técnico, este OE, feito à pressa, de que o modo caricato da sua entrega é sintoma, só poderia ser mau. Ele não obedece a uma planificação para garantir sustento nas actividades do Estado e dos cidadãos em 2011. Ele obedece à resposta urgente que é preciso dar aos mercados financeiros internacionais e a Bruxelas para que não aumentem os juros da dívida externa. Ele é o "soldo", de um "deve" e de um "haver", de um tira aqui, põe ali, para servir de penhora e garantia ao aval daqueles que estão a sentir a arder o dinheiro que nos emprestaram. É a regra simples de quando o banco nos empresta dinheiro e depois deixamos de pagar.
Internamente, não estamos sob a pressão de um "choque financeiro" ou orçamental. Estamos sob um "choque político" ou partidário entre Sócrates e Passos Coelho, cujo desfecho, por enquanto, é uma incógnita. Provavelmente, as contas a fazer são eleitoralistas. Embora, por certo, se ignore o custo dessas contas.
À luz de tudo isto, o presidente Cavaco Silva terá de desbobinar o discurso de anteontem e repensar um novo discurso. Talvez depois do convocado Conselho de Estado.
Mas, tudo somado, há quanto tempo, vivemos, realmente, e na prática, sem Orçamento?