Há razão para ter medo das freguesias?
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A Assembleia da República parece ter medo das freguesias e, por isso, limita o mais que pode a criação, que não é mais do que a restauração, de freguesias indevidamente extintas em 2013.
A Assembleia da República não deve ter medo das freguesias e, antes, deve estimá-las como elemento importante da nossa organização administrativa territorial, restaurando, desde já, as que constam das propostas que tem em seu poder, com vista às eleições de setembro/outubro de 2025, e prevendo ao mesmo tempo eleições intercalares para meados do mandato que se avizinha, com a finalidade de criar/restaurar, pela via normal, as freguesias que devem ser restauradas. Aproveitará ainda a Assembleia da República para eliminar a clara inconstitucionalidade da atual lei, na parte em que retira a si mesma poderes que só ela tem e deve utilizar.
Comecemos por este problema da inconstitucionalidade da lei. O artigo 164.oº al. n) da Constituição estabelece que, no continente, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a criação, extinção e modificação das autarquias locais e respetivo regime. Isto quer dizer duas coisas: a primeira que só por lei da Assembleia da República (e nunca por decreto-lei) se podem criar freguesias; a segunda é que não pode haver um regime jurídico da criação destas que limite esse poder de tal modo que uma assembleia de freguesia ou uma assembleia municipal, por exemplo, impeça a criação de uma freguesia.
Ora, o regime jurídico que a Assembleia da República aprovou através da Lei n.o 39/2021, de 24 de junho, permite que uma assembleia de freguesia impeça a Assembleia da República de criar uma freguesia, bastando apenas, como resulta do seu artigo 11.o, que ela não aprove uma proposta de criação apresentada por membros dessa assembleia ou por cidadãos eleitores. A Assembleia de Freguesia manda mais do que a Assembleia da República. Não pode. A Constituição da República Portuguesa não deixa. Por muito “generosa” que queira ser, a Assembleia da República não pode abrir mão de um poder que lhe foi confiado exclusivamente (reserva absoluta) pela Lei Fundamental.
Passando às propostas que tem em seu poder, a Assembleia da República tem o dever de interpretar a própria lei do regime jurídico que elaborou, no sentido mais favorável às freguesias que pretendam ser criadas (restauradas), desde que reúnam as condições necessárias - fundamentalmente as de população e de território - para serem restauradas.
E, finalmente, a Assembleia da República deve alterar a Lei n.o 39/2021 no sentido de, para além de expurgar a manifesta inconstitucionalidade acima referida e de aperfeiçoar o mais que esse diploma legal contém, permitir eleições intercalares em 2027, para criar as freguesias que tal pretendam, pela via normal, não as obrigando a “penar” até 2029.
A Assembleia da República só não procederá assim, se tiver medo das freguesias; e os seus membros não devem ter medo, bastando que tenham bem consciência do que elas representam na organização administrativa portuguesa.
Tirar esse medo à Assembleia da República merece um artigo em separado.