Há uma geração que está a morrer nas estradas
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O problema do tratamento dos dados estatísticos é, muitas vezes, a desumanização das conclusões. Perdermo-nos nos números e nas percentagens. Sermos incapazes de traduzir a real dimensão de uma fatalidade de forma assertiva e consequente. Façamos, por isso, o seguinte exercício: se lhe dissermos que em Portugal continua a morrer-se demasiado nas estradas, o mais provável é não ficar surpreendido. As razões são variadas e sobejamente conhecidas: excesso de velocidade (quase 70% das infrações!), sinalização deficiente, álcool e drogas no sangue. Enfim, não são infelizmente raros os casos em que todos estes fatores se conjugam num desfecho explosivo. Mas se lhe dissermos que os acidentes rodoviários são a principal causa de morte entre os cinco e os 29 anos, talvez então o caro leitor trave a fundo. E se acrescentarmos que a sinistralidade representa, em custos económicos e sociais, o equivalente a 3% de toda a riqueza produzida num ano, talvez isso lhe dê vontade de continuar a fazer perguntas.
"Eu não queria ser insensível, mas esta vertente também deve ser vista, sobretudo pelas pessoas que todos os dias falam das questões do défice e do PIB", reconheceu, há dias, numa esclarecedora entrevista ao JN e à TSF, Rui Ribeiro, presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. "A nossa geração mais jovem, se já não está a ir para o estrangeiro, está a morrer nas nossas estradas. Isto é intolerável", enfatizou ainda, numa declaração muito forte, mas tremendamente oportuna.
Na realidade, não há uma semana que passe sem que, aqui no jornal, se noticiem acidentes dos quais resultam jovens vítimas mortais. O tema, por força das circunstâncias, acaba por não sair da agenda, mas a brutalidade desta constatação devia fazer soar os alarmes de quem ainda pode travar esta tragédia em andamento. Reforcem-se as campanhas-choque, intensifique-se, com mais transparência, a política de colocação de radares, envolvam-se as famílias que perderam entes queridos neste esforço que devia ser nacional. Há uma geração que está a morrer nas estradas. Não podemos continuar em contramão.
*Diretor-adjunto