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Ocasionalmente, somos sacudidos por histórias cuja dimensão humana nos esmaga, histórias que vazam fronteiras, línguas, religiões, histórias que têm a capacidade inata de agregar o Mundo numa única e transcendente vontade. É nessas histórias coletivas que esgotamos o melhor e o pior da nossa complexidade individual. É nelas que desagua a nossa fragilidade terrena. E nem a distância nos impele a contemporizar. Há dias que vivemos de peito apertado, na esperança de que a luz se apodere dos confins de uma gruta na Tailândia. Vibramos com os golos aparatosos do Mundial, mas a equipa de futebol pela qual torcemos é formada por 12 rapazes tailandeses. E por um treinador que passou fome para alimentá-los e que não se perdoa por tê-los levado naquela aventura. O caminho da salvação é tortuoso. Boa parte das crianças, entre os 11 e os 16 anos, não sabe nadar. Nenhuma fez mergulho. A abnegação dos salvadores, neste caso, não chega. "O Mundo precisa de saber que os milagres existem", reconhecia, ontem, um dos mineiros resgatados, há uns anos, das entranhas rochosas do Chile. À hora a que escrevo, tinham sido libertados quatro rapazes. A missão prossegue hoje, numa intrépida e desigual luta contra a chuva e o relógio. "Não se preocupem, papá e mamã. Há duas semanas que parti, mas vou voltar para vos ajudar na loja", escreveu um dos petizes, numa carta divulgada pelos socorristas. "Estou bem, só com um pouco de frio. Não se esqueçam da minha festa de aniversário. Por favor, preparem-me um churrasco", pediu outro. "Cuidem bem de vocês. Cubram-se com cobertores, o tempo está frio", aconselhou, na resposta, uma das mães de coração exangue. No epicentro da mais complexa missão de salvamento de sempre, avulta este despojo arrebatador que nos amarra ao essencial: nem a mais funda das grutas extingue a luz irradiante entre pais e filhos.
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