Há uma revolução por fazer nos 30 anos da TV privada
O surgimento dos canais privados redesenhou o campo mediático e estruturou, em parte, o país que somos. Trinta anos volvidos, a TV privada perdeu fôlego no exercício de contrapoder e imobilizou-se quanto à capacidade para idealizar novos formatos. Os teóricos do audiovisual há muito que anunciaram o advento de uma hiper-TV. Que está por criar em Portugal.
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Para quem tem hoje 20 anos, os serões televisivos sempre se compuseram com ficção portuguesa e "reality shows", tipo "Big Brother". É assim desde setembro de 2000 e, nesse tempo, quer a SIC, quer a TVI não conseguiram produzir outros formatos que retivessem grandes audiências. Poder-se-á dizer que os portugueses gostam deste tipo de oferta. É um modo confortável de olhar esta questão. Todavia, seria assertivo interrogar-nos onde estão todos aqueles que, a dado momento, não se encontram a ver televisão, até porque essa camada da população tem crescido substancialmente.
A atual grelha monotemática é cansativa para muitos de nós. É verdade que a ficção nacional fez o esforço de incorporar algumas cidades, mas esses sítios apenas servem para abrir janelas sobre ambientes que mais parecem bilhetes-postais de um Portugal que queremos visitar. Para haver um efeito do real, impunha-se trazer para o enredo idiossincrasias locais. Isso, sim, seria inovar, mas, até agora, nada se fez a esse nível.
O jornalismo, por força da realidade que mediatiza, tem feito progressos, mas falta-lhe ser mais contrapoder. Seria igualmente importante valorizar outros interlocutores, para lá da habitual confraria dos comentários, aproveitando a experiência da pandemia que alterou o bilhete altamente seletivo para entrar nos "plateaux" de debate. Também seria conveniente modificar editorias e considerar novas tematizações, criando novos focos de noticiabilidade e de discussão. Falamos, por exemplo, da saúde pública, da sustentabilidade, dos estilos de vida...
Hoje, vemos televisão de forma muito diferente daquela que viam os nossos pais. O velho e grande ecrã da sala perdeu centralidade. Agora, consumimos conteúdos, cruzando vários ecrãs e acompanhando diversos canais e plataformas. Podemos estar com um olho num canal generalista, mas estaremos também atentos àquilo que se passa no universo digital, particularmente nas redes sociais. Os velhos canais ignoram esse cruzamento de consumos e tardam em promover a incorporação de públicos que querem ser ativos.
Há, de facto, uma revolução para fazer na televisão portuguesa: na engenharia das grelhas, na produção de conteúdos e nos consumos previstos. Porque há uma população em grande debandada da TV que temos.
*Prof. associada com agregação da UMinho