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O conflito ucraniano está a caminhar demasiado depressa para um extremar de posições - dentro e fora do país - cujo desfecho se torna cada vez mais imprevisível e, por isso, altamente perigoso. O barril de pólvora em que se transformou a antiga república soviética não está só a agudizar as tensões entre europeus e americanos contra russos. A condenação suave da União Europeia à Rússia pela invasão da Crimeia e, de forma encapotada, de boa parte do leste do país, está também a fazer perder a paciência de Washington para com Bruxelas.
A Administração Obama - ela própria dividida em relação às sanções a aplicar a Vladimir Putin - espera mais da aliada Europa. E isso mesmo terá sido transmitido à chanceler alemã, Angela Merkel, que por estes dias visitou o presidente norte-americano na Casa Branca. O velho continente, já se sabe, tem pavor a conflitos à sua porta e, neste caso, há razões adicionais que só a economia conhece para evitar o confronto a todo o custo.
A Ucrânia - e parte da Europa - dependem do gás russo. Mas será um erro achar que a Rússia está numa posição dominante por ser o fornecedor privilegiado desta importante fonte de energia para particulares e empresas. O PIB moscovita cresceu uns míseros 1,3% em 2013, razão pela qual o país precisa como de pão para a boca de um aumento das suas exportações energéticas, se quiser fortalecer a fraca performance.
A prudência europeia tem, todavia, génese mais prosaica que não se prende apenas com a dependência do gás russo e que os Estados Unidos - paladinos das invasões alheias por razões económicas nem sempre claras - deveriam ser os primeiros a entender. Mais de seis mil empresas alemãs mantêm importantes relações comerciais com a Rússia e isto só de forma direta. As contabilizações indiretas serão ainda comercialmente mais robustas. Por conseguinte, se aos interesses de Berlim acrescentarmos os da outra Europa, nomeadamente portugueses, em relação à Rússia, temos aí uma parte da explicação que os Estados Unidos insistem em não compreender.
Esta teia de interesses explica, em parte, a ineficácia das sanções económicas contra Moscovo, tão insistentemente pedidas pela Administração Obama. Seriam úteis do ponto de vista diplomático, mas de nenhuma utilidade na prática. E, por isso, hipócritas. Porquê? Porque, apesar da relação de confiança entre a Rússia e a NATO - onde UE e EUA falariam a uma só voz - ter sido posta em causa em função da intervenção na Crimeia, a verdade é que esta crise começou por ser um conflito interno da Ucrânia e, só depois, uma crise regional com Moscovo. Sendo essa uma evidência que nem europeus nem norte-americanos conseguiram resolver, apesar das promessas de milhões para Kiev.
Por tudo isto, a preocupante escalada da tensão na Ucrânia está muito mais próxima de uma crise de contornos interesseiros e imprevisíveis do que o temido e propalado regresso da Guerra Fria. Para tal, a Europa teria de estar bem mais sintonizada com as posições dos Estados Unidos. E não está. Daí a dúvida: será a saída para a crise ucraniana limpa?