Há vida para além do Orçamento
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À hora que escrevo, são anunciadas as principais medidas do Orçamento do Estado para 2024. Numa leitura rápida, confirmam-se as perspetivas já antecipadas pela imprensa nas últimas semanas e que apontavam para opções fiscais mais ambiciosas por parte do Governo.
Nesse âmbito, é de elementar justiça o alívio significativo das taxas de IRS, ainda que se mantenha o truque da não atualização dos escalões aos valores da inflação e do aumento salarial de 5% negociado com os parceiros sociais. Já no IRS Jovem, o Governo dá um sinal positivo de apoio a uma geração que tem na carga fiscal um dos principais argumentos para sair do país. Ao copo meio cheio, juntam-se algumas medidas de natureza mais assistencialista, como o reforço do IAS e o aumento de pensões, que permitem mitigar situações sociais mais vulneráveis e recuperar algum poder de compra perdido nos últimos anos.
Onde o OE 2024 é manifestamente insuficiente é na relação com o setor privado. As empresas voltam a ser ator secundário no desenho orçamental e servem apenas de manancial para arrecadar impostos e distribuir a escassa riqueza produzida. Desde logo, através do aumento de salários por decreto, acima do que estava negociado há apenas um ano - e que já comportava um esforço significativo - e do que recomendam os níveis de produtividade. As contrapartidas são residuais e cingem-se, no essencial, ao reforço do incentivo à capitalização e a uma diminuição simbólica das tributações autónomas, sem haver qualquer mexida robusta no IRC ou nas contribuições sociais.
A terceira e última conclusão que o novo Orçamento suscita é que ele é apenas um ponto de partida para as opções políticas dos próximos anos. Como aconselha o histórico recente - e por muito que o ministro das Finanças diga o contrário - é prudente desconfiar de alguns números e planos anunciados, já que nada garante, por exemplo ao nível do investimento público, que a execução se aproxime dos valores agora apresentados. Em 2022, esse desvio foi de “apenas” 26,8%. Há, portanto, muita vida além do Orçamento e um longo caminho para o Governo percorrer, se o objetivo for contrariar a travagem que já se faz sentir na economia.