Habitar o centro das grandes cidades
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O programa não é novo, mas tem suscitado grande atenção dos média internacionais. Fazer permanecer classes modestas no coração de Paris é uma grande e bem-sucedida iniciativa do município liderado pela socialista Anne Hidalgo que combate a segregação económica bem visível em várias metrópoles ao mesmo tempo que preserva a atmosfera intemporal da cidade das Luzes.
Com um orçamento anual de 625 milhões de euros, a câmara parisiense quer moradores das classes mais populares fixados no centro da capital. No final dos anos 90, 13 por cento desses munícipes tinham aí a sua residência, hoje essa percentagem subiu para os 25 por cento. E pretende-se continuar a fazer crescer esse número através essencialmente da reabilitação de imóveis existentes ou exercendo o direito de preempção sobre imóveis à venda que ficam assim sob a preferência da autarquia para os transformar em habitação social.
O comércio tradicional também tem suscitado grande atenção. Hoje a Câmara de Paris é proprietária de 19 por cento das lojas da cidade, exercendo uma influência direta sobre o tipo de comércio que aí se instala. O objetivo é evitar que os bairros mais típicos sejam dominados pelas grandes cadeias comercias que desvirtuam a alma da cidade. Por isso, deambulando pelo centro de Paris, encontramos um número significativo de padarias, queijarias, lojas de segmento (como um reparador de violinos) ou mais estratégicas (como uma oficina de bicicletas, um negócio competitivo numa cidade apostada na mobilidade verde).
Tudo isto foi encontrado por jornalistas do jornal “New York Times” que publicaram recentemente uma extensa reportagem sobre este modo de desenvolver políticas públicas de habitação. Uma das pessoas ouvidas foi Marine Vallery-Radot, uma mãe solteira que mora num apartamento a dois passos do Museu de Orsay por cerca de 600 euros mensais. Ela e mais 254 famílias foram contempladas ao mesmo tempo com este tipo de casas: de dimensão média, reconstruídas, a preço acessível, bem no centro da cidade.
Por cá, o Governo pretende implantar um programa para “Construir Portugal”. Confesso que gostaria mais de uma designação que remetesse para o conceito de habitação. Porque é hoje esse um dos nossos principais problemas: sermos capazes de habitar os lugares onde queremos morar. E nem sempre precisamos de construir mais. Por vezes, basta reabilitar ou fazer outras opções na gestão deste setor.