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A agenda que acordámos com a troika contempla 10 reformas até final deste ano, e como até agora sete delas não serão consensuais, simplesmente por dizerem respeito a setores e áreas em que a partidarização e ideologização dos argumentos permanece relativamente fácil - a eliminação de garantias à produção e nova padronização de tarifários na energia elétrica, ou o plano para a Parpública, ou as alternativas de financiamento às empresas ou as novas práticas de referência e reforço da independência dos reguladores -, são assuntos sobre os quais não podemos esperar um grande grau de concordância.
Em contrapartida, da lista de compromissos até dezembro próximo constam três em relação aos quais seria indesculpável não chegarmos, todos, a um acordo, simplesmente porque se trata de justiça.
Esses três compromissos são: em maio, aplicar ao Código de Insolvências as alterações sobre recuperação de empresas que permitam salvar mais facilmente as que ainda são viáveis; em setembro, alterar o Código de Processo Civil de modo a acelerar os procedimentos judiciais; ainda em setembro, aprovar o novo mapa judiciário.
Como todos sabemos, se há coisa de que Portugal e os portugueses estejam necessitados é seguramente de mais e melhor justiça. Mas também todos sabemos que tem havido sempre algo a emperrar um consenso qualificado para aplicar reformas estruturantes.
A polémica que por aí já vai sobre cenários do novo mapa judiciário não augura nada de bom, ainda que, como sempre, todos as forças partidárias e corporativas continuem a jurar querer mais justiça e também uma justiça mais eficaz nos reflexos que a sua ação pode ter nos planos social e económico.
Os reflexos sociais e económicos que as práticas da justiça geram, ou não, são um tema transversal ao problema da recuperação do país. Um dos exemplos mais expeditos para ilustrar esta realidade é o do investidor tentado por uma das nossas atividades económicas com potenciais vantagens comparativas - seja em salários, tecnologia, matéria-prima ou saber fazer - que acaba por não dar o passo em frente ao tomar consciência de que um processo judicial para cobrar uma dívida comercial pode levar o tempo suficiente até que a sua empresa vá à falência.
Não tem sido fácil, muito menos operativo, o debate sobre os chamados custos de contexto da nossa economia. E, no entanto, bastaria darmos um pouco de atenção aos nossos empresários (em particular, industriais de pequeno e médio portes que contribuem para as nossas exportações) para entendermos a magnitude deste bloqueio interministerial de que infelizmente a justiça faz parte como se fosse uma doença endémica da nossa economia e da nossa democracia.
Haja, pois, consciência.