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Da poeira que temos a pairar nos últimos dias, revisito a sequência de acontecimentos públicos relacionados com a possível exploração de lítio nas serras do Barroso. Releio Manuel Alegre e “pergunto ao vento que passa notícias do meu país e o vento cala a desgraça o vento nada me diz”. Ao contrário do que possa parecer, as nuances ligadas ao processo de licenciamento, incluindo a discussão pública no âmbito da avaliação do impacto ambiental, vão muito para além de simples reservas de corredores de proteção ao lobo-ibérico, por muita importância que a espécie tenha. Antes de mais, espelha uma certa forma de estar dos vários centralismos de decisão.
Durante dezenas de anos, as políticas públicas centrais pouco ou nada quiseram saber destas populações, com um distanciamento que os condenou a um isolamento geográfico natural, sem qualquer apoio digno desse nome. Como que lhes dizíamos: tratem de vocês próprios e das vossas terras, plantem batatas, criem porcos e vendam o fumeiro, vitelas em regime extensivo e, sobretudo, aprendam a valorizar a natureza! E o povo do Barroso assim fez. Com brio e galhardia, trabalhou muito, criou riqueza, poupou como poucos o fazem e, imaginem, aprendeu e percebeu como valorizar o seu património natural. A elevação a Património Agrícola Mundial de parte deste território é um bom exemplo desta estratégia, a par das feiras do fumeiro, dos eventos de promoção turística, tudo associado a modelos de promoção integrados da atividade económica de base local. Mas, repente, quando descobrimos que no subsolo dessas terras existe um recurso interessante para suportar parte dos chamados desafios da digitalização, então tudo muda de figura e passamos a dizer: desculpem, mas essas terras são um recurso estratégico, que é de todos nós e só centralmente temos capacidade para saber o que fazer com ele. Por isso cheguem-se para o lado, para podermos abrir aí uma cratera gigantesca, forma exclusiva de tornar rentável a exploração desse recurso! E lá nos aparecem os mesmos do regime, sempre nos lugares certos, a dar cobertura a este atentado ao património natural. Mas, como o mesmo poema afirma, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não.