Corpo do artigo
Tomou ontem posse um novo Governo que concentra em si uma tal dose de esperança que pode ser tóxica. Como quando hiperventilamos e o ar, essencial para sobrevivermos, é respirado em excesso e acaba por provocar a sensação de estarmos flutuando, causa tonturas, vertigens e mesmo desmaios.
Claro que isto é especialmente verdade para quem acredita nas virtudes do Governo socialista porque, em contraste, há quem lhe vaticine os maiores horrores, recuperando fantasmas do tempo do PREC que julgávamos, 40 anos depois, estarem arrumados no sótão da História. Mas suspeito que mesmo entre esses, no que respeita à matéria com que se forram as carteiras, há muitos que têm a secreta esperança de estarem errados no seu pessimismo.
É um Governo que concentra esperanças porque, pela primeira vez em democracia, uma faixa alargada dos eleitores vê os partidos em que votou terem, nem que seja indiretamente, oportunidade de participar no exercício de poder. Dificilmente, se o final disto tudo for daqui a algum tempo, a Esquerda será a mesma que existia antes de 4 de outubro.
Mas é acima de tudo a esperança de que a TINA - There is no Alternative [Não há alternativa] - se revele um espantalho agitado para justificar uma agenda com laivos de radicalismo revolucionário que governou Portugal nos últimos quatro anos. Essa é a prova de esforço do Governo de António Costa.
Mas convém, como é evidente, suster um pouco a respiração e refrear ânimos. O presidente Cavaco Silva poderia tê-lo feito ontem com as palavras de um pai sábio e lembrar que se a realidade política mudou, o cenário económico, apesar de todos os argumentos eleitorais de que agora estamos a sair do túnel, não se alterou substancialmente para que a dívida, o défice, o desemprego e a falta de competitividade deixem de ser vocábulos de todos os dias. Infelizmente, Cavaco Silva há muito que assumiu as vestes de pai tirano, preferindo exibir a régua (a ameaça de demissão) que em nada ajuda a uma acalmia institucional que contribua para um arranque sereno de um Governo erguido sobre uma aliança parlamentar frágil.
António Costa teve para já a capacidade de fazer uma convergência que se julgava impossível e de constituir um executivo com um misto de capacidade política e de experiência governativa que é, em si, também um sinal de esperança. O mais difícil começa agora: insuflar de oxigénio uma economia débil e pôr um país a respirar pausadamente, o mais indicado para quem continua a ter pela frente uma grande caminhada.
SUBDIRETOR