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A grande vantagem de um confesso hipocondríaco, como eu, sobre aqueles que resistem a consultar um médico até ao limite das suas forças é que nós, os hipocondríacos, sabemos mais depressa se o mal que (supostamente) nos afeta é grande ou pequeno. Ou não é nenhum. Eles, os armados em fortes, sofrem sem necessidade. Não se percebe...
Uma das mais singulares características dos hipocondríacos (pelo menos, daqueles que conheço) é ler, na íntegra e várias vezes, o prospeto que acompanha os medicamentos, sobretudo a parte das contraindicações. Queremos ter a certeza de que o fármaco é o indicado para combater os sintomas de que padecemos e queremos conhecer, por antecipação, os efeitos colaterais daquela droga. Não é masoquismo. É prevenção.
Estou em crer que o presidente da República é adepto desta estratégia. Anteontem, poucas horas antes de Passos Coelho e Paulo Portas nos terem dito que as coisas não estão famosas (ai sim?!), Cavaco Silva disse aos portugueses que tirara a seguinte conclusão da leitura da posologia que acompanha a dose cavalar de fármacos que a troika nos receitou: as contraindicações apontadas verificam-se todas - e com estrondo. Em consequência, o paciente está moribundo, pelo que parece sensato testar outras drogas, acompanhando as prescritas anteriormente, ou substituindo-as, pura e simplesmente.
O ar combalido de Passos Coelho (não sei se repararam, mas o homem está bastante mais magro, o que, para um hipocondríaco, nunca é bom sinal) e o tom muito menos acelerado de Paulo Portas parecem dar razão ao chefe de Estado. A medicina da troika provou os seus limites. Quer dizer: estamos no osso, precisamos de vitaminas, a droga já não pega - e Cavaco não aceitará, por maioria de razão, que se insista no método.
Está, portanto, na hora de consultar o trio de médicos que prescreveu a receita, como parece racional? Ou vamos, armados em fortes, aguardar que a droga faça efeito, arriscando ficar num estado de irreversível letargia?
Há quem defenda esta extraordinária tese: devemos esperar sentados e sem espernear, porque a troika há de concluir, por força do que está a acontecer em Espanha e pode acontecer em Itália e em França, que países como Portugal precisam de mais tempo, ou de mais dinheiro, ou de ambos, para se aguentar em pé. Essa seria a prova de que o diagnóstico da troika foi correto, necessitando apenas de ser corrigido através de um acrescento de novas "drogas". A isto chama-se torcer a realidade até que ela nos dê razão.
O lombo do povo, dobrado como está, não aguenta mais peso. O povo clama por ajuda. O Governo só tem uma saída: pedir à troika ajuda para o povo. Antes que ele soçobre de vez.