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Eis que o tempo se ajusta e me permite escrever sobre a selecção de Portugal no dia de um jogo mas antes do mesmo, sem poder oscilar com o resultado ou com as estatísticas, sem reflectir sobre os factos, sem as certezas do que já foi consumado pelas más opções sempre criticáveis a posteriori quando se abraçam a uma hecatombe ou pelas escolhas levadas em ombros quando tudo corre bem e Santos assoma ao altar. É o meu momento para falhar sem jogar no totobola. É também a melhor forma de ser imparcial perante a falta de evidências. A opinião que a minha opinião encerra pode cair hoje por terra às 21.30 horas, quando o pano cair sobre o jogo. Desmoronar-se em peças sem sentido, como se afocinha a montagem e o atropelo pela força da neurose, imaginação e perfídia de algumas pessoas. Terá que ficar sem resposta, obviamente.
O "engenheiro do penta" não demorou a meter as mãos na obra. Não só mudou como rompeu. E bem. Entre o primeiro jogo particular de Fernando Santos e o seu primeiro jogo oficial como seleccionador de Portugal há um inesperado denominador comum: o banco. Não só aquele onde se sentará - suspenso que foi o seu castigo pelo Tribunal Arbitral do Desporto (TAS) após os oito jogos de exclusão por algo que, verdadeiramente, nunca se percebeu no Mundial" 14 - mas também aquele que se descobriu existir durante o jogo com a França. A surpresa pela supersónica inversão do caminho no TAS só encontra paralelo na vertiginosa ascensão de João Mário a um jogador a ter em conta e na racional recuperação de Quaresma para um papel de eleição, seleccionável, decisivo e nada tóxico. Três activos não tóxicos no banco: Fernando Santos, João Mário e Quaresma. Um verdadeiro novo banco.
Na selecção portuguesa, uma das muitas questões que se pode colocar ao novo sistema táctico que Fernando Santos pretende implantar (e que tão bem Paulo Bento conhecia e professava no Sporting do seu tempo) é se o 4x4x2 losango pode resistir à inexistência de um número dez. Na minha leiga opinião não o temos. Não é Danny, dificilmente será João Mário, arduamente será qualquer outro. Desde Deco que não existe. E, como tal, não posso deixar de me questionar: acabamos (e bem) com a ficção de que "temos um ponta de lança que não temos" para criar uma outra ficção sobre um "número dez que não existe"? Valerá a pena mudar de sistema táctico, ultrapassando um problema de facto (tempo para Éder, exige-se!), criando outro problema desnecessariamente? Acabar uma ficção para começar um casting? Preferia outra geometria neste 4x4x2.
A forma deficiente como o meio-campo português acentuou, no particular com a França, a falta de talento natural de Eliseu e Cédric para defender (realidade inversamente proporcional à capacidade de ambos no jogo ofensivo) não é ultrapassada somente pela colocação de Tiago a número 8 e de William Carvalho na posição 6. A desprotecção de um meio-campo em losango somado a defesas laterais de propensão ofensiva é dos livros. E comprova-se quando o ataque da equipa é desequilibrador mas não é pressionante (temos algum dia esperança de ver Ronaldo e Nani a correrem sistematicamente para trás e atrás da bola?). O teste foi feito e aposto que Fernando Santos só vai mudar uma vírgula: adiantar Tiago, lançar William à frente dos centrais e sentar André Gomes no banco. Ao lado de João Mário e Quaresma. Duvido que seja suficiente.
Não me atreveria a escrever uma crónica em antecipação de um jogo se Lopetegui ou Jorge Jesus, os magos da rotatividade, fossem seleccionadores. A probabilidade de coincidir numa ideia ou num onze seria tão certeira como equilibrar um triângulo invertido ao longo da história. Mas um engenheiro não falha, um engenheiro faz cálculos, um engenheiro não arrisca. O enigma de Fernando Santos é que resolveu fazer o seu teste frente à França dentro de um laboratório de química e com um enorme tubo de ensaio. Mudar o reagente pode não ser suficiente para Portugal reagir. Repetir os erros será fatal mas a tentação de insistir na virtude da ideia pode ser mais tentadora. Mas do que Portugal e Fernando Santos mais precisam, não têm: tempo. E por isso se compreende que o novo seleccionar tenha dado um passo atrás e dois à frente: recuou, recuperando jogadores "proscritos" e avançou, convocando ar puro com critério e afastando - por agora - alguns jogadores tidos como indiscutíveis. Sempre o tempo e sempre a tempo. Mas os testes acabaram. Tempo de exame no reino da Dinamarca onde só para Hamlet, fatídico, algo está forçosamente mal.