Faz hoje oitenta e quatro anos que, debaixo dos sacrifícios provocados pela 2.ª Guerra Mundial, o Burgo (onde quase tudo faltava) enfrentou um dos maiores ciclones que o assolaram. Segundo testemunhas, desde a manhã, o tempo mostrava-se pesado, com nuvens negras anunciando a borrasca.
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A catraiada escondeu-se debaixo das mesas (foi o meu caso) e os mais impressionáveis debaixo das camas. Valia tudo, ante o agravar da situação, com o vento a aumentar e a chuva a começar a cair, primeiro paulatina depois em bátegas. Às cinco da tarde, além da ventania meter medo, começou o bombardeamento com raios e coriscos sobre a cidade.
Quem podia trancou portas e janelas para resistirem ao vendaval, mas não evitou o estilhaçar de milhares de vidros que só não inundaram as ruas de cacos porque neles tinham colado tiras de papel, na hipótese da Guerra cá chegar. Dizem os sobreviventes que se o Inferno existe escolheu o Porto para se mostrar na noite em que as telhas voaram pelos ares, constituindo o maior risco para quem tinha de sair de casa.
Não havendo redes sociais nem televisão (nem luz eléctrica em muitas habitações), os mais afoitos aguentaram como puderam a noite para alguns mais maldita de sempre. Outros (e, sobretudo outras, como minha mãe e minha avó) entregaram-se a todos os santos e rezaram múltiplos Pais Nossos e Avé Marias, na esperança que a tormenta passasse. E passou, deixando a cidade arruinada.
Os ciclones agora surgem com nomes de artistas de cinema. Felizmente não têm sido furiosos como o de 41, se não, no meu andar virado ao mar, nem debaixo da cama resistia.
* Professor e escritor