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O desespero dos autarcas, sobretudo durante estes dois últimos anos, com os percalços do processo de descentralização, aparenta ter um fim tácito no momento em que se celebra um acordo parcial. Hoje, em Coimbra, António Costa firma o pacto para a descentralização de competências na educação e saúde, deixando de fora a acção social (área que passará automaticamente para a competência das autarquias a 1 de Janeiro de 2023, mas que só será objecto de debate e de ajuste no fim de Outubro deste ano). Quatro anos depois do aperto de mão entre António Costa e Rui Rio, o poder central encarregou-se de nos mostrar todo um cardápio de horrores, entre atrasos e incapacidades, obstáculos e indecisões, incompetências ou negligências. Quando se trata de abdicar de parte de um bolo que sempre se habituou a distribuir convenientemente à distância, sem noção de proximidade ou a mínima possibilidade de compreensão, a essência esmaga a matéria. Para o centralismo, o país real fica sempre a anos-luz do país imaginário em que acreditam e no qual nos obrigam a viver. Com este processo de descentralização, que não trabalha nem culmina no passo seguinte da regionalização, o engodo materializa-se num faz de conta ou num a ver vamos.
Ainda assim, a nunca desejável saída da Câmara Municipal do Porto da Associação Nacional de Municípios foi extraordinário contributo para o debate e discussão, colocando o tema na agenda das urgências mediáticas e, em última análise, para requalificar o envelope financeiro, negociar verbas, maior equidade e aproximação ao acerto na convenção entre municípios e Governo. Qualquer minitornado num processo enquistado pelo imobilismo seria, como foi, benéfico para todos. A reunião da ministra Ana Abrunhosa com a Área Metropolitana do Porto, sob a égide de Eduardo Vítor Rodrigues, foi decisiva para que ninguém confundisse abandono com desinteresse ou ostracismo, no que terá sido o mais hábil passo dos autarcas do Norte na recta final de todo este processo.
Com este acordo que chega tarde e a más horas, cambaleante, não podemos esquecer todo o processo travado a solavancos e o engodo sobre a regionalização espelhado na absoluta incapacidade do poder central para cumprir um desígnio constitucional com 46 anos, propósito que atravessa gerações de políticos e de múltiplos poderes, pelo simples facto de não conceberem (ao contrário da esmagadora maioria dos países da UE) o que a regionalização poderia fazer por um país dito pequeno mas tão assimétrico e desigual. Com ou sem referendo, com ou sem acerto ou alteração constitucional, a classe política que ocupa o poder desde o 25 de Abril continua a mentir ao país sobre a regionalização que diz querer para, depois, deixar bem claro ao que não vem e o que não permite.
*Músico e jurista
o autor escreve segundo a antiga ortografia