Portugal. Argentina. França. Por esta ordem, a votação destinada a eleger o melhor futebolista de 2013 redundou em estados de alma diferentes. O nacionalismo representado pelo vencedor Cristiano Ronaldo e pelos derrotados Leonel Messi e Franck Ribèry reagiu, naturalmente, consoante as conveniências.
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O afamado chauvinismo francês tem motivos de sobra para a substituição de uma dor de cotovelo provocada pelo terceiro lugar de Franck Ribèry - não obstante Platini ser presidente da UEFA e não ser fácil encontrar razões simplistas para se depreciar o rendimento de um atleta colecionador no mesmo ano civil de cinco títulos pelo Bayern de Munique. Uma derrota custa sempre a deglutir mas os franceses têm substituição à altura no alinhamento para o pico de audiências dos telejornais: a dor de cotovelo e a hospitalização de Valèry Trierweiler, a primeira--dama, depois de uma revista ter flagrado o presidente da República à porta do apartamento onde alegadamente se envolvia com a atriz Julie Gayet. Um escândalo de truz! Sim, há uns sacrossantos pudicos a desvalorizar os casos de alcofa sob o argumento do desígnio da privacidade; mas há sempre uma alternativa intelectual - e de Estado - capaz de manter viva a chama da história. O sério jornal "Le Monde", por exemplo, anda à volta de questões-chaves, do tipo: a quem pertence o apartamento da provável infidelidade de Hollande? Os serviços de segurança do presidente francês andaram a dormir? A revista editora do escândalo estará ao serviço dos rivais do inquilino do Eliseu? Não haja dúvidas: por estes dias, a derrota de Ribèry não aquece nem arrefece o coração dos franceses; têm o azimute virado para o "voyeurismo".
O caso da Argentina é de outra ordem. Está longe de recuperar da falência do seu sistema financeiro, da presidente diz-se ser uma gastadora compulsiva, só que o povo reconforta os espíritos por duas vias. Por um lado, o Mundo analisa e aprecia todos os comportamentos do primeiro Papa sul-americano, o jesuíta Francisco; por outro lado, Lionel Messi é há um ror de anos um notável figurão do futebol. Perder para Ronaldo será desagradável aos argentinos - muito pior seria se para um brasileiro; simplesmente, Messi é o único rival a sério do português. E há até fórmulas criativas para driblar tristezas. O exemplo paradigmático deu-o o jornal "Olé", mal foi conhecido o resultado da Gala FIFA, e através de um título deveras sugestivo: "Te faltan dos", isto é, a segunda Bola de Ouro de Ronaldo apenas diminui diferenças no currículo para as quatro do menino das Pampas. É bem visto....
Portugal, por fim, porque os últimos são sempre os primeiros. O país exulta com o reconhecimento planetário do seu astro maior. Digno sucessor de Eusébio e de Luís Figo, Cristiano Ronaldo junta mais um troféu à sua carreira - potenciando, até, ainda mais o museu recentemente construído na sua terra natal, o que sempre dá mais uns cobres para o combate ao défice da Região (vive com dois resgates, note-se). Promotor do país como mais ninguém, o ego de Cristiano Ronaldo não incha sozinho: junta-se-lhe, com maior ou menor aproveitamento, o da esmagadora maioria dos portugueses, não obstante uma parte deles não dispor da raça, do sentido profissional e da ambição do símbolo maior.
Só entre nós, pode até haver quem desvalorize a Bola de Ouro, recordando inclusive as tristes palhaçadas do presidente da FIFA e o retardar do fecho das votações como influenciador do resultado final, mas não há como fugir da conclusão: é justa a distinção de CR7. E ainda bem que sucedeu assim. Se os franceses e os argentinos têm bons argumentos para disfarçar a azia, os portugueses agarravam-se a quê?