"É um pequeno passo para o homem e um salto gigantesco para a humanidade". Se a chegada à Lua tivesse acontecido em 2019, com transmissão no Youtube, as palavras de Armstrong seriam prontamente apelidadas de "bué cringe".
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Esta semana, um estudo confirmou o que já sabíamos: os miúdos já não sonham ser astronautas, querem ser youtubers! Para quê vestir um fato desconfortável e passar um mês numa nave, a ingerir comida liofilizada, quando se pode estar no quarto, de pijama, a papar cápsulas de detergente? Consigo perceber o lado comodista da escolha. Aliás, aceitei o convite do JN porque é um trabalho passível de ser feito nas mesmas condições (só dispenso o detergente, prefiro deixar a lavagem de estômago para profissionais).
"Para o infinito e mais além" deixou, pelos vistos, de ser uma frase que entusiasme os mais novos. "Fui trollar meu amigo com explosivos e ficámos surdos" puxa mais por eles, que querem crescer para fazer o mesmo: gastar 500€ para encher a banheira de bolachas. É um novo tipo de sonho americano (sobretudo se for com oreos).
Será esta nossa preocupação com o Youtube igual à que os nossos pais tinham com o que víamos na TV? (percebo hoje que o "Mimi, apita aqui" proferido amiúde no "Batatoon" era pouco próprio). Mas se antes a pergunta era "o que queres ser quando fores grande?", agora tem de ser "o queres parecer quando cresceres?".
Porque é isso que os youtubers fazem: parecer. Mais felizes do que são, mais ricos do que são e, sobretudo, mais novos do que são. Basta olhar para os mais populares: apesar de se ocuparem a jogar computador e a pregar partidas, têm vinte e tal anos. Os seguidores, esses sim, estão no 4.o ano. Não é, por isso, de estranhar, que surja um Hugo Strada, personagem que esteve injustamente votada ao anonimato nos últimos anos, mas que finalmente alcançou o reconhecimento do grande público.
Hugo tem 36 anos mas sente que tem 14, e como tal foi meter-se com gente do seu tamanho. Só é pena que tenha, aparentemente, menos estatura moral. Preocupante é ter demorado tanto até que alguém reparasse naquela bizarria. Eu também não vi, é certo, mas o meu filho no Youtube ainda só vê o Baby Shark (e já acho má influência: pensa que os tubarões são inofensivos). Dúvidas houvesse, fica provado que os pais não fazem ideia do que os filhos veem na Net.
Bem sei que é mais confortável centrar as culpas no Strada, mas enquanto estivermos a olhar para ele, muitos fenómenos semelhantes vão passar-nos ao lado. Em última análise, Strada pode ser apenas um burlão, um Alves dos Reis 2.0, com wi-fi. Parece-me ser alguém que não foi aceite nas 23 edições de "Casa dos segredos" e tentou outra forma de ser famoso e rico.
A indústria da impostura evoluiu muito, ainda há meses soubemos de uma empresa que fazia falsos castings para os "Morangos com açúcar", extorquindo dinheiro... Mais uma vez, não condeno os miúdos, que sonham ser o novo Pipo. Pergunto-me pelos pais. E não foi preciso perguntar muito, porque já apareceram os progenitores da Team Strada a defender o mentor do grupo. Um deles diz que estão a tentar manchar o bom nome de Hugo Strada.
Convenhamos que é impossível, porque para manchar um bom nome é preciso tê-lo. Quem é que, podendo inventar um apelido, escolhe Strada? Desculpa, Raquel, mas é verdade (sabemos que te chamas Ana Raquel Estrada Marcos). Estes pais querem que os filhos sejam famosos, a todo o custo, e nem é por mal: pensam que ser famoso é sinónimo de ser feliz.
São os mesmos pais que vão para as escolas de futebol gritar com os treinadores, porque pensam ter dado à luz o novo CR7. Durante muito tempo, essa era, aliás, a profissão mais desejada: futebolista. O nível de ostentação é o mesmo que o dos youtubers: marcas caras, grandes carros, mansões... Mas no futebol importa o meio para chegar a esse fim. E é um meio que implica acordar cedo, treinar muito e comer a sopa toda. Os miúdos não sonham ser youtubers para mostrar um talento concreto ao Mundo, sonham enriquecer. Deve ser triste, aos oito anos, já ter mentalidade de vendedor Herbalife. O meu filho pode ser o que ele quiser.
Até youtuber. Embora eu preferisse astronauta. Em ambos os casos, ficaria muito tempo sem o ver, mas é mais digno estar numa missão espacial do que trancado no sótão a jogar Minecraft.
20 valores
Para a presidente da Câmara de Mirandela, que me proporcionou a felicidade de ler o seguinte título: "Autarca não declarou negócios com alheiras quando era deputada". Negócios com alheiras parece até um código para atividades marotas.
Quando pensamos que os socialistas não podem surpreender-nos mais, com negócios com filhos e enteados, eis que sacam uma alheira da manga.
A empresa da autarca, pelos vistos, burlava os consumidores do enchido, fingindo que era feito em Mirandela, quando era de Vinhais. No fundo, passámos a ter uma nova forma de dizer "gato por lebre".
*Humorista