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O tempo passa, a história repete-se. Dirão que já foram descobertos grupos maiores, mais negros e cabeludos. Verdade. Cá em Portugal, por exemplo. Mas isso não pode servir-nos de consolo. Saber que dois homens partilham imagens íntimas de antigas e atuais companheiras é doentio. Imaginar 32 mil a fazerem-no é abominável.
Tudo acontecia às claras, sem desconforto nem arrependimento, no Facebook. O nome do grupo italiano, denunciado e encerrado pela Meta, é revelador da forma como tantos homens olham para as mulheres. Chamava-se "Mia Moglie" ("A minha esposa", em português). Há aqui um sentimento de posse perverso: a mulher é minha, por isso, tenho direito a mostrá-la a quem quero, a expô-la enquanto dorme, a exibi-la num momento íntimo durante o qual ela nem percebeu que estava a ser fotografada. E também tenho direito a avaliar as mulheres dos outros - porque não? - e a categorizá-las a meu bel prazer: "comia esta", esta é gorda, esta é misteriosa e esta é boa para ser violada. Arrepiante? Não culpem o mensageiro, era exatamente isto que se passava, diariamente, no "Mia Moglie".
Não sendo possível, para já, nascerem de novo, estes homens precisam de ajuda e tratamento. Sugeria que se focassem mais no vosso próprio eu - afinal de contas somos ou não as pessoas mais importantes da nossa vida? Libertem-se das amarras, dancem em frente ao espelho sem pudores, fotografem os genitais e enviem para os grupos. Comparem tamanhos, troquem promessas de "fazia" e "acontecia" e depois voltem, por favor, à vida real com vontade de serem seres humanos. Façam esse esforço também pela pessoa que vos deu à luz, a vossa mãe, mulher, e poupem-na ao desgosto de passar horas a fio a pensar onde errou. Depois, imaginem também a vossa (futura) filha adolescente totalmente exposta num grupo com milhares de olhares indiscretos, insultuosos e repugnantes. Entendem o nojo criminoso de que vos falo?
O "Mia Moglie" morreu, mas a estupidez humana não, e, por isso, para compensar este encerramento, o mais provável é que já tenham nascido dois ou três grupos novos. Quem faz parte, quem assiste a tudo mesmo em silêncio, sem comentar e sem partilhar, é cúmplice. Não devassem a intimidade das mulheres, não agitem orgulhosamente a bandeirinha da misoginia, batam a porta aos grupos e sejam homens a sério na vida real. Há uma falsa sensação de impunidade em quem se esconde atrás de um ecrã. Mas, afinal, o que separa uma violação (física) de encontrarmos fotos nossas, íntimas, tiradas e partilhadas sem o nosso consentimento? O desrespeito e o abuso são os mesmos, a única diferença é o ambiente onde ocorre a agressão. Homens, isto não vos choca?