Homicídio em contexto de violência doméstica: uma realidade alarmante
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No passado dia 6 de setembro, em Lousada, uma mulher de 42 anos foi esfaqueada mais de dez vezes pelo ex-companheiro, em plena via pública. O agressor, de 55 anos e com antecedentes, foi detido. Dias antes, no Porto, um homem de 51 anos matou a companheira após um surto psicótico; em Faro, outro, de 29 anos, foi preso por agredir e ameaçar a companheira com uma arma; em junho, em Setúbal, uma mulher foi morta à facada pelo ex-companheiro; e em maio, em Lisboa, uma vítima ficou gravemente ferida após ser atingida por mais de cem facadas por um homem que conhecera através de uma aplicação.
Estes casos chocam a opinião pública e provocam indignação coletiva, mas não são isolados. São expressão de uma realidade estrutural e persistente que, para as vítimas, significa viver num ciclo de medo, insegurança e perda de dignidade, muitas vezes sem acesso a uma proteção eficaz. Ao mesmo tempo, este flagelo fragiliza a confiança nas instituições e perpetua dinâmicas de violência que atravessam gerações.
Segundo a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), só no primeiro trimestre de 2025 houve sete vítimas mortais de homicídio em contexto de violência doméstica. Nesse período, mais de 1400 pessoas foram acolhidas na Rede Nacional de Apoio a Vítimas, incluindo 741 mulheres e 649 crianças; 427 foram encaminhadas para emergência; e mais de 7000 ocorrências foram registadas pelas forças de segurança. Em 2024, dos 112 homicídios ocorridos, 22 resultaram de violência doméstica, num ano em que se ultrapassaram as 30 mil queixas e se aplicaram mais de 4700 medidas de afastamento, o número mais elevado desde 2019.
A nível global, os números não são menos graves: em 2023, segundo relatório da ONU Mulheres e do UNODC, uma mulher ou menina foi morta a cada dez minutos pelo parceiro ou por um familiar. O lar continua a ser o lugar mais perigoso para muitas mulheres, com 60% dos homicídios femininos a ocorrer nesse espaço.
Apesar dos avanços institucionais - como a Diretiva Europeia de combate à violência contra as mulheres, aprovada pelo Conselho da União Europeia em 2024, e a legislação aprovada pelo Parlamento Europeu no mesmo sentido - a resposta continua insuficiente. Tal como sublinhou Sima Bahous, diretora-executiva da ONU Mulheres, é preciso legislação mais robusta, maior responsabilização governamental e tolerância zero para com este flagelo.
A violência doméstica é um problema estrutural, enraizado numa cultura patriarcal que legitima o controlo e a posse. O combate exige aplicar com rigor as leis, reforçar a proteção das vítimas, ampliar o acesso a casas de abrigo, apoio jurídico e psicológico, e investir na educação e sensibilização.
Estes números não são apenas estatísticas: representam vidas interrompidas e famílias destruídas.
Cada vítima silenciada e cada vida perdida traduzem uma falha coletiva. É tempo de transformar a indignação em ação concreta e garantir, de forma efetiva, o direito à vida e à segurança.
Enquanto a violência persistir, a sociedade falha; e qualquer mudança depende do nosso compromisso conjunto.