Todos estaremos familiarizados com a fábula do rapaz que gritava lobo, não havendo lobo à vista. Tantas vezes o fez, mentindo, que quando a fera de facto apareceu ninguém acudiu aos gritos de socorro.
A história chega-nos da Antiguidade, e as pessoas gostam de a citar por dá cá aquela palha, amiúde metendo água. Uns atribuem a narrativa a Esopo, o que não é certo, se certezas há sobre esse autor grego que poderá nem ter existido. Outros, com maior frequência, referem-se a ela como “Pedro e o lobo”, usurpando o título de um conto do século XX, inventado pelo compositor russo Sergei Prokofiev para a obra que, ainda hoje, é das melhores portas de entrada para crianças no mundo da música orquestral.
O lobo é um belo animal, que em tempos pré-históricos se aproximou do homem para se tornar o seu melhor amigo, mas nunca foi respeitado pelos bípedes que dele fizeram cão. Ora atacava os três porquinhos, ora se vestia de avozinha para comer a netinha, ora, no mítico mundo real, era associado ao demónio. Nas serranias do Norte de Portugal há ruínas de fojos, estruturas erguidas pelas populações para caçar os lobos que lhes matavam as ovelhas. Não só os abatiam, depois de capturados, como não o faziam sem antes os fustigar à pedrada e insultar com requintes vernaculares.
Um provérbio latino, atribuído a Plauto e usado com impacto, no século XVII, por Thomas Hobbes, diz-nos que o homem é o lobo do homem. “Homo homini lupus”. Sabemo-lo bem: somos o principal e o mais temível predador de nós próprios.
Mesmo reconhecendo a injustiça para com a espécie, é normal darmos por adquirida esta má fama dos lobos, que os fascistas turcos assumem ao designar-se “lobos cinzentos”. Daí ser obrigação de quantos amam a liberdade aplaudir os franceses, por se terem unido quando a democracia gritou “lobo”, como tanto e em tantos sítios tem feito nos últimos anos. Mas é também dever de quantos amam a liberdade não respirar de alívio. Quando, emergindo da desgastada República de Weimar, um obscuro partido bávaro chegou ao poder pelo voto, fê-lo em boa parte porque as forças democráticas andavam às turras umas com as outras. Esse obscuro grupo político chamava-se Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães.

