Admirado pela Esquerda moderna, e venerado pelo anterior primeiro-ministro que o citava a propósito de tudo e de nada, muitas vezes a despropósito, o senhor Krugman voltou a Portugal, país que conheceu nos anos 70 do século passado, quando ainda era um ilustre desconhecido.
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Só que, desta vez, veio para ser coroado. As três universidades de Lisboa estenderam-lhe o tapete encarnado atribuindo-lhe em uníssono o doutoramento honoris causa, e esta iniciativa foi elogiada como se tivéssemos redescoberto o caminho marítimo para a Índia. Nos dias que antecederam a sua chegada, o senhor foi tratado como uma estrela de rock. Houve quem dissesse, com o exagero subserviente que reservamos aos estrangeiros, que se tratava do mais importante e mais inovador economista desde Keynes!
Naturalmente, esperava-se que o economista desse à costa com uma varinha mágica que resolvesse os problemas do país. Ninguém se lembrou que o Nobel da Economia, que recebeu, é um prémio que se assemelha aos Oscars de Hollywood. Ninguém cuidou de explicar aos portugueses que o facto de escrever uma coluna no "New York Times" lhe garante um palco inigualável. Ninguém tratou, sequer, de questionar algumas das contradições nos textos que publica no jornal americano, e que são citados milhões e milhões de vezes.
É claro que havia, ainda, outras expectativas, estas de caráter estritamente político. Ou seja, havia a esperança de que aproveitasse a sua passagem por Lisboa para condenar veementemente as políticas no nosso Governo. Secretamente, ou talvez nem tanto, havia uma legítima expectativa de que pudesse achincalhar o ministro Gaspar por cumprir à risca o programa que nos é imposto pela troika, credibilizando assim as propostas mais à esquerda.
Depois da homenagem, e ainda inebriado por um chorrilho de elogios, o economista americano entendeu deixar-nos o seu depoimento sobre a situação da Europa e de Portugal. Como se previa, logo referiu que Portugal não deve adotar novas medidas de austeridade. E, nesse preciso momento, foram enviadas milhares de mensagens por SMS, garantindo que o homem estava a dizer tudo o que se esperava. Mas, subitamente, o guru avançou com um outro conselho, recomendando a Portugal que reduzisse em pelo menos 20% os salários. Enquanto a Esquerda batia em retirada, o homem ainda foi mais longe e, antes da despedida, depois de pedir desculpa à Esquerda e de confessar que detestava dizê-lo, garantiu que não faria as coisas de forma muito diferente daquilo que está a ser feito em Portugal.
Pena foi, é claro, que ninguém lhe tenha explicado previamente que não somos tontos; que ninguém lhe tenha dito que o salário médio fora do Estado não excederá os 700 euros e que a estrutura salarial no setor privado não excede, seguramente, os 20% dos custos de produção. Que também ninguém lhe tenha dito que a nossa indústria mudou muito desde os anos 70, e que foram precisamente os setores que apostavam em mão-de-obra barata que mais dificuldades tiveram com a globalização. Ninguém lhe perguntou se, num país em que as exportações representam, apenas, um terço do PIB, a redução de salários não será a mais austera das medidas capaz de conduzir a uma quebra do consumo ainda maior. Por momentos, enquanto o escutava, perguntei-me por que razão ninguém o confrontava com essa evidente contradição. Depois, enquanto discorria sobre a China em tom de bravata, recusando-se a admitir a sua influência na economia americana, fiquei com a sensação de que o senhor pode ser um grande economista e um excelente comunicador, mas nada trouxera de novo. O seu discurso torna evidente que não há outro remédio além dos que já conhecemos para sair desta crise, que só nos resta cumprir o que seja o que acordamos com a troika, e que não haverá cura se as coisas não se resolverem na Europa. Para perceber isso, não precisávamos de fazer vénias a um Nobel. É claro que seria ótimo, apesar de tudo, se o senhor Krugman fosse ouvido pela senhora Merkel, mas aqui em Portugal, o seu discurso cheira a déjà-vu.