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Se Portugal é governado - e é - por Vítor Gaspar, o ministro das Finanças foi demitido no sábado aquando da mensagem ao país, via facebook, do presidente da República. É a democracia dos novos tempos: manifestações convocadas pela net, movimentos de opinião liderados por bloggers, presidentes que gerem países através de "posts". Porque a frase de Cavaco, ainda que lida no contexto de uma análise sobre o FMI, vale bastante: "Não é correto exigir a um país sujeito a um processo de ajustamento orçamental que cumpra a todo o custo um objetivo de défice público fixado em termos nominais". Dixit. Ámen.
Assim sendo, o presidente deveria dar o passo(s) seguinte: chamar o porta-voz de Vítor Gaspar e explicar-lhe que o Governo está demitido. E ajudar a formar um novo, liderado por alguém que consiga três coisitas simples: aumente menos os impostos sem descontrolar o défice (acreditando no crescimento da economia...); chame os amigos do FMI e lhes explique que a conta dos juros já vale muito mais que os 4,5% de défice que estamos a prever no próximo ano; e, por fim, qual cereja no bolo, uma pessoa que, ao contrário de Jesus Cristo, saiba de Finanças e tenha alguma biblioteca (para citar Álvaro de Campos). Só para a malta da troika respeitar o interlocutor.
Essa pessoa existe? Existe. Chama-se Miguel Cadilhe. Foi ministro das Finanças, fez a reforma fiscal que colocou Portugal no mapa dos países ocidentais, liderou a agência de captação de investimento estrangeiro, trabalhou no mercado de capitais e na banca, tentou salvar o Estado do buraco do BPN (infelizmente o Governo Sócrates não deixou). Além disso também percebe alguma coisa de agricultura, da vida normal, conhece o interior do país, ajuda a cuidar dos netos. Não sei se na sua eterna e inatingível vaidade o prof. dr. Cavaco deixa que emirja alguém melhor que ele, mas aqui fica a sugestão.
O dr. Cadilhe não só esteve no Governo de Cavaco, em que a economia portuguesa floresceu, como compreende profundamente a dinâmica das empresas portuguesas e as suas necessidades de ajustamento e a façam exportar mais e gastar menos. Ou seja: premissas que nos deem uma esperança concreta. Cereja no bolo: um primeiro-ministro que já foi ministro das Finanças e conhece a economia real...
Reforcei esta ideia do "dr. Cadilhe" ser o nosso homem ao receber as respostas do presidente da indústria de calçado para um artigo publicado no "Dinheiro Vivo" no sábado passado. Portugal exporta 98% dos sapatos - não é gralha, são mesmo 98%. Como foi possível que esta indústria esteja a crescer, a empregar mais e a passar ao lado da crise portuguesa? Resposta de Fortunato Frederico: "No essencial, é o resultado de mais de 20 anos de investimento continuado. O setor tem um rumo definido desde o final dos anos 70, quando foi apresentado o primeiro plano estratégico do setor (por Miguel Cadilhe)". Há décadas atrás. Não foi ontem. Não é uma coisa de tiro aos patos, são ideias consistentes que incluem uma visão para os problemas. Não são teorias, doutoramentos, influências no Banco Central Europeu ou cargos na Goldman Sachs: é conhecer-se Portugal, os portugueses e a sua economia.
Hoje de manhã Miguel Cadilhe estará em Serralves como principal conferencista das jornadas da Associação Empresarial de Portugal sobre "Internacionalização da Economia Portuguesa". Não imagino o que dirá mas antecipo o habitual: uma ideia fora da caixa, que toda a gente achará ótima, mas que o Governo não porá em prática. Uma vez mais.
O dr. Cavaco pode continuar a colocar "posts" no facebook, ver o país a cair e dar ouvidos aos empresários e grandes empresas que ontem faziam manchete no "Diário Económico": não querem que o Governo caia. Também não queriam que Sócrates caísse. Mas adaptam-se sempre. Pela enésima vez: as pessoas não acreditam em Gaspar&Passos, mas também não querem eleições a correr. Pede-se então o favor do sr. presidente chamar o PSD e o CDS, os meter na ordem, e chamar alguns senadores de confiança para tomarem conta disto com alguma dignidade. E eles farão o trabalho necessário sem queimar o inquilino de Belém.
