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Não há nada que possa encher mais um portuense de orgulho do que o recente fenómeno de abertura turística da cidade.
Sobretudo porque o impulso principal para o sucesso que todos podemos testemunhar foi protagonizado por pequenos empresários que arriscaram e tiverem a capacidade e o bom gosto de atrair, acolher e animar um novo segmento de visitantes mais novos, mais curiosos e mais cosmopolitas.
Os nossos hostels, a avaliar pelo que encontramos no airbnb têm imensa pinta, os nossos novos restaurantes são modernos e inovadores e a oferta, mais ou menos informal, de atividades culturais é um contributo criativo para "ver" a alma da cidade.
Os poderes públicos, não sendo diretamente responsáveis, não atrapalham e a cidade mantém-se genericamente limpa, tratada e segura.
Dito isto, não podemos meter a cabeça na areia à espera que o fenómeno prossiga e só nos traga benesses. Devemos estar atentos para que cresça com equilíbrio, procurando com todo o cuidado garantir o funcionamento normal da vida da cidade. Quer isto dizer que os mercados, as lojas, as igrejas, os museus ou as livrarias não podem deixar de existir para os seus utilizadores residentes.
Devem mesmo insistir em programas que incitem à sua utilização porque é a nossa forma de visitar, de ler, de comer, de aprender ou de rezar que faz de nós portuenses. E só de nós se faz o Porto!
Vem esta reflexão a propósito de uma notícia que li um dia destes sobre o fecho da Livraria Sousa & Almeida, velha de 61 anos, a morar na Rua da Fábrica e que, segundo o atual e único proprietário (abriu por conta e risco quando tinha 27 anos), tem até ao final do ano para "despachar" mais de 20 mil livros. O edifício, arrendado, terá sido comprado para, alegadamente, proporcionar uma expansão do Hotel Infante de Sagres.
Pelo que percebi não está sequer previsto uma relocalização. Vai mesmo acabar, com a agravante de ser a única livraria especializada em livros galegos, africanos e brasileiros que, segundo Joaquim de Almeida (livreiro de 89 anos) são muitíssimo procurados por universidades espanholas, inglesas e americanas.
Perderemos, portanto, uma outra forma de internacionalização da cidade. Não tão lucrativa, não tão animada, mas profunda e estruturalmente diferenciadora.
Não faço a menor ideia de quais as condições que rodearam este negócio. Não sei se foi feito algum esforço pelo proprietário para poder contrariar o despejo. E também não sei se os poderes públicos, designadamente a Câmara Municipal, deu conta ou se interessou.
Se o fez, seria interessante que o tornasse público porque é absolutamente necessário sentirmos que quem nos representa procura inventariar e defender o que é nosso, sob pena de, sem isso, todos recearmos que, na loja, só há preocupação com montra.
ANALISTA FINANCEIRA