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O regime fundado com a revolução imperfeita de 25 de Abril de 1974, como lhe chamou José Medeiros Ferreira, atinge hoje a bonita idade de 48 anos. Se contarmos, como devemos, a Primeira República enquanto puro regime da ditadura do Partido Republicano, depois Democrático, então o país viveu praticamente todo o século XX em ditadura. A do sr. dr. Afonso Costa, primeiro, a "Militar" propriamente dita, entre 1926 e 1933, e a do doutor Salazar, "aligeirada" a partir de 1968 por Marcello Caetano, até 1974. O que se seguiu imediatamente a esses idos de Abril também não pode designar-se propriamente por democracia, muito menos "plena". Exílios, detenções sem culpa formada, perseguições interpartidárias, expulsões de empregos e de universidades, conflitos entre facções militares que se imaginavam "vanguardas do povo", contestação às primeiras eleições livres, etc. Em suma, aquilo que ficou conhecido por "PREC", "processo revolucionário em curso", constituiu evidência de que, pelo menos durante quase dois anos, Portugal não conseguiu crescer para a democracia. Só após o 25 de Novembro de 1975, que deu início a um ciclo de normalização militar, institucional e política - que culminou no ano seguinte com a primeira eleição legislativa, com a do presidente da República e com a posse do I Governo Constitucional, em Julho de 1976 - se poderá verdadeiramente "comemorar" os anos que se leva disto. Menos de 48, sem dúvida. E se a revolução era imperfeita, este regime não se tornou entretanto menos. Bem pelo contrário. Em Abril de 1973, no Congresso de Aveiro, a Maria Emília Brederode dos Santos leu aos congressistas a "tese" que o marido, o Medeiros, escrevera no exílio de Genebra. Nela se apresentavam os três "dês" que o programa do MFA capturou um ano depois: descolonizar, democratizar, desenvolver. E a previsão que seria a tropa a derrubar o regime, uma coisa em que poucos na oposição acreditavam. Como escreveu nas suas memórias, quando Medeiros Ferreira regressou a Portugal já eram todos mais entusiastas do MFA do que ele. A democracia é um sistema recente na longa história da humanidade e foi concebida para adultos. Ora, em Portugal, não houve a sorte de ter tido muitos "adultos" na sala. No plano militar, Eanes e dois ou três conselheiros da revolução. Soares, a primeira AD de Sá Carneiro, Mota Pinto, Cavaco Silva, Sampaio em Belém, Passos Coelho e pouco mais, ou nada. O jornalista Joaquim Vieira reescreveu agora a sua biografia de Mário Soares de 2013. Tenho andado a ler o último volume, o quarto. Por que falo nisto? Porque o que vou lendo parece-me um bom resumo do estado a que chegámos em 2022. E no que nos tornámos, ou se tornaram muitos com outras obrigações políticas e morais perante o país, nestas quatro décadas. Sim, o PS aldrabou-nos.
*Jurista
o autor escreve segundo a antiga ortografia