Era tão óbvia a demissão da recém-empossada secretária de Estado da Agricultura. Tão clara e previsível que nem valia a pena tentar adiar o inadiável. António Costa ainda argumentou. Mas ignorar é descolar da realidade.
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É legítimo acusar Carla Alves Pereira de estar envolvida num processo relacionado com a compra de terrenos do antigo seminário de Vinhais, em que o marido é arguido? Não. Mesmo que, por vias da ação judicial em curso, o casal tenha visto as suas contas bancárias arrestadas.
É normal que Carla Alves Pereira tenha aceitado um cargo no Governo quando a investigação apurou que o marido, ex-autarca, e mais dois arguidos são detentores de património incongruente e não declarado fiscalmente, num valor superior a 3,5 milhões de euros? Não.
E também não é normal que quem convidou Carla Alves Pereira para o Ministério da Agricultura não tenha tido o caso em devida conta, num momento político de grande agitação. Num momento em que, como bem lembrou o presidente da República, quem assume funções públicas está sujeito ao escrutínio da sua vida.
A história parece repetir-se. Hoje, o país continua sem saber por que razão a ex-secretária de Estado do Tesouro foi convidada para o Governo depois de ter recebido uma indemnização de meio milhão de euros da TAP. O país continua a duvidar que ninguém tenha questionado Alexandra Reis sobre os motivos da sua renúncia, em fevereiro, ao cargo de administradora-executiva da TAP, quando faltavam dois anos para terminar o contrato. Quem acredita?
Após a discussão de ontem da moção de censura da Iniciativa Liberal ao Governo, percebe-se que António Costa é dos poucos que acreditam. Que minimiza o escrutínio público, numa altura em que a sociedade civil se defronta com problemas sociais e económicos graves e assiste dia após dia a escândalos envolvendo ministros e secretários de Estado que nem chegaram a ter tempo para aquecer o lugar.
Ignorar é descolar da realidade.
*Diretor-adjunto