Acordou com um telefonema. Era o diretor do departamento, pedindo que ficasse em teletrabalho porque o edifício estava praticamente fechado. Tinham tido problemas em garantir a limpeza e mesmo os seguranças estavam em falta. Não havia condições. Anuiu e ficou a trabalhar em casa, tentando ignorar o ruído do trânsito que entrava pela janela e que estava especialmente incomodativo. A cidade tinha amanhecido caótica.
Pela hora do almoço, percebeu que não tinha nada no frigorífico. Desceu as escadas e foi ao supermercado abastecer a despensa. Havia fila e quando, finalmente, conseguiu entrar percebeu que estava totalmente vazio. Não havia frutas, nem legumes, nos corredores havia muitos produtos em falta, mercadoria por arrumar, quase nada para comer. Pegou num iogurte perdido no canto do frigorífico e dirigiu-se à única caixa aberta. Esperou muito tempo pela sua vez e, quando chegou, soube pela menina que o atendeu que estavam com problemas nos centros de distribuição e com falta de pessoal, além de muitos stocks esgotados (sobretudo nos frescos).
Decidiu ir ao restaurante do bairro almoçar, mas quando chegou à porta havia um letreiro a dizer que estavam fechados por falta de pessoal. Avançou dois quarteirões rumo a uma hamburgueria de uma cadeia internacional, mas encontrou a porta fechada com um aviso parecido.
Decididamente, não conseguiria almoçar por ali e, no caminho de volta a casa, reparou no lixo acumulado em redor dos contentores, nas ruas por varrer, nos jardins desarranjados e imundos.
Regressado, lembrou-se de encomendar comida pela aplicação, mas rapidamente percebeu que além de haver poucos restaurantes abertos, os tempos de entrega estavam anormalmente longos, por falta de entregadores disponíveis. Desistiu e ligou à mãe a ver se havia almoço para ele e se podia aparecer. A mãe respondeu que estava sozinha, a empregada não viera e que, não só não havia almoço feito, como ainda nem tinha feito a sua higiene, porque sem apoio, o seu problema de mobilidade a impedia de meter-se sozinha no duche.
Posto isto, prontificou-se a ir ter com ela, mas percebendo que não havia carros disponíveis na aplicação, que o trânsito continuava caótico e que as filas nas paragens eram enormes, não lhe restou alternativa senão ir a pé. A caminhada era longa e, no percurso, viu os hotéis fechados, lojas em serviços mínimos, infantários e centros de dia encerrados, farmácias sem stock por falta de entregadores de mercadoria, escritórios e edifícios públicos a meio-gás por falta de serviços de limpeza, segurança e logística e muitos turistas vagueando, sem ter onde dormir, comer, ou como regressar ao aeroporto (que também estaria caótico e paralisado).
Nas capas dos jornais desatualizados pendurados no quiosque, podia ler-se que a greve dos imigrantes daria um prejuízo incalculável à nossa economia. Tinham passado apenas dois dias e já se fazia sentir o impacto. Imaginem se eles fossem todos embora, pensou, com a barriga a dar horas.

