A emoção liga-se à demagogia e veste um fato à medida do desastre quando serve os interesses mais irracionais e populistas.
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A ultrapassagem pela curva acontece quando são os partidos que geraram a democracia a proferir as maiores atoardas, entre o senso incomum e o genérico, reféns de bem colher nas sondagens das mesas do café.
Perante a medição de ética e bons costumes que assolou as relações entre Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Montenegro e Carlos Moedas, é caso para dizer que há um PSD que concretiza a deontologia em lições e um PSD sem inteligência emocional para silenciar os dislates.
A gravidade das afirmações de Luís Montenegro e Carlos Moedas não faz jus à sua consciência, acredito. São, no entanto, perfeitos impropérios utilizáveis a chicote pela extrema-direita, plena de vontade de companhia, branqueamento e normalização. Quando o líder do PSD refere que o país "devia atrair imigrantes que se adaptem facilmente" não estaria certamente a referir-se àqueles que, entre muitos outros, acabam por viver acantonados num alojamento ilegal nas traseiras de um supermercado no Porto ou que são explorados no Alentejo até à última gota de suor em miséria. Perante as condições em que vemos imigrantes a viver em Portugal, sub-humanas, escravizantes ou que configuram tráfico humano, admitir que se escolham nacionalidades na fronteira em razão do sangue ou do nível de adaptabilidade "darwiniana" é francamente perigoso.
Após o incêndio no Bairro da Mouraria, Luís Montenegro e André Ventura mostraram por que razão as visitas técnicas devem ser interditas a políticos. As declarações de ambos são pontos de vizinhança conjunta ao sistema e, como referiu o líder da extrema-direita, uma "aproximação de posições". Está por entender o que ganha o PSD ao permitir o "abraço de urso", minando a confiança que deveria estar a fomentar na sua base de apoio sobre uma posição consistente na alternativa ao PS. Assim sendo, é Augusto Santos Silva que agradece os cavalos de batalha que o PSD continua a alimentar por indefinição de estratégia. Quando Carlos Moedas assegura que não aceita lições de ninguém em matéria de imigração, olhemos para o que refere Marcelo Rebelo de Sousa como pontuação moral em dose dupla: a "cópia perde sempre para o original" cola Montenegro a Ventura e Moedas às certezas-inabaláveis-que-nunca-se-enganam de Aníbal Cavaco Silva.
*Músico e jurista
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)