(Im)previsível e (in)evitável: o risco "real" da catástrofe
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A responsabilidade da redução do risco de catástrofe é uma missão que compete a todos e, por ética e princípios de humanismo e solidariedade, deve fazer parte do quotidiano, desde a forma como se educam os mais jovens até como planeamos as nossas cidades. Para assegurar a resiliência de uma comunidade é fundamental existir uma abordagem de envolvimento, de união, de partilha de informação e de implementação dos diversos níveis do conhecimento, que deve ser assegurada pelo Estado, por todas as entidades público-privadas e pelo cidadão. É verdade que o nível de responsabilidade é diferenciado, cabendo ao Estado (administração central e local), o papel de liderança de forma a promover um alinhamento intersectorial para garantir que as comunidades se estruturem para o imprevisível e para o inevitável, com o apoio de todas as entidades que compõem a sociedade.
Apesar da consciência global, a complexidade com que os fenómenos têm atingido as populações, particularmente neste século, deve remete-nos para uma discussão, nos diferentes patamares (internacional, nacional e local) em torno daquilo que é a real capacidade da preparação, da resposta e da recuperação das autoridades e das comunidades. Três certezas temos praticamente como certas: a primeira, é a que estamos mais expostos aos riscos que conhecemos (e que ainda não conhecemos!); a segunda, é a que as entidades e as autoridades estão, numa forma geral, mais bem preparadas para lidar com o risco e com a catástrofe. É indiscutível, por exemplo, que existe um know-how técnico, científico e operacional para a gestão dos riscos e das catástrofes em Portugal, muito maior do que em comparação com o final do século passado. É igualmente indiscutível que, existe um esforço notório do nível local em "muscular" a sua capacidade de antecipação, intervenção e de reposição da normalidade, tendo em conta a perigosidade e as vulnerabilidades existentes; a terceira, é que na década de 2000 os cenários preconizados pela Organização das Nações Unidas apontavam para um aumento substancial do impacto das catástrofes nas comunidades, a par do aumento da temperatura média do ar e do oceano, até 2030, que de facto está a acontecer.
Ora, o que nos deve preocupar, neste momento, é que as incertezas suplantam-se às certezas. O paradigma das catástrofes em diversos contextos políticos, demográficos, económicos e sociais, e com níveis de investimento diferenciados, evidenciam inúmeras fragilidades em comum na comunicação do risco, no socorro e no suporte às populações. Factos: no Japão, apesar de uma cultura de risco exemplar, o tsunami em 2011 fez perto de 19 mil mortes e gerou um prejuízo de 300 mil milhões de euros. A elevação de mais de 50 metros do fundo do mar, foi a maior elevação observada num único sismo; Em Pedrógão Grande, no ano de 2017, os incêndios rurais onde morreram 66 pessoas tiveram por base o desprovimento das faixas de gestão de combustível e de proteção aos aglomerados da população, e
uma severidade meteorológica caracterizada por tempo quente e seco. Mais recentemente (outubro de 2024), em Valência, choveu 445,4 litros por metro quadrado, em 24 horas. Choveu tanto num dia como é normal chover num ano inteiro na região de Valência - a média anual de precipitação na Comunidade Valenciana é de cerca de 500 mm. Dias antes da catástrofe, a Agência Estatal de Meteorologia (AEMET) avisou as autoridades e a população de que havia 70% de probabilidades de ocorrência de chuvas torrenciais. Às 7:30 da manhã do dia da catástrofe, emitiu um aviso vermelho para tempo severo. As autoridades regionais só enviaram mensagens de texto à população para ficarem em casa pouco depois das 20:00 horas. Morreram 224 pessoas.
Nestes três exemplos, é notória a urgência de reduzirmos o impacto do imprevisível e do inevitável, e de reforçarmos a capacitação da população para ter condições de resistir e adaptar-se à catástrofe. Assumirmos que não existem recursos humanos e de logística suficientes, das autoridades e entidades competentes, para garantirem a resposta sustentada a uma catástrofe, que assuma um impacto disruptivo no quotidiano das cidades, deve ser visto como uma oportunidade e não como uma ameaça. Não devemos perpetuar a ideia de que perante 8.600 ocorrências em 48 horas, como aconteceu com a Depressão Martinho (março 2025), conseguimos a eficiência desejada na salvaguarda de todas as pessoas, animais e bens.
Portugal tem sem dúvida um nível de solidariedade relevante, em situações de resposta e recuperação à catástrofe. Existem vários exemplos de mobilização da população para o apoio às comunidades afetadas. Mas por outro lado, falta-nos mais diálogo e a capacidade de consolidarmos as soluções que se impõem para que a cultura de prevenção e de planeamento se instale no quotidiano. A falha de energia que afetou a Península Ibérica, no passado 28 de abril de 2025, é demonstrativa disso mesmo: inúmeras debilidades das estruturas locais e nacionais no garante da segurança, do socorro e da saúde das populações, assim como, do ponto de vista individual foi notória a incapacidade de termos acautelada a sustentação das nossas necessidades básicas numa situação disruptiva.
O imprevisível e o inevitável devem ser assumidos como um cenário real, no que à catástrofe diz respeito. E para enfrentar esse cenário devemos, rapidamente, apostar em dois princípios: o da comunicação clara e efetiva à população, dos riscos existentes e potenciais, para que seja percetível por todos que a responsabilidade da preparação, da resposta e da recuperação a uma catástrofe, deve ser partilhada; e o da capacitação da população, para cenários de exceção, através das dimensões do ensino e do associativismo, onde existem as condições e o tempo para o diálogo, reflexão e implementação de programas e\ou projetos nas áreas do suporte básico de vida e do planeamento de emergência familiar.
Uma população informada e capacitada garantirá um nível de resiliência superior, do ponto de vista individual e coletivo. E é nisso que devemos estar todos apostados em conseguir!

