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É conhecido e aceite que o significado da expressão in vino veritas sugere que uma pessoa sob a influência do álcool tem maior probabilidade para falar dos seus pensamentos e desejos ocultos, fruto de uma espécie de sensação de liberdade etílica que leva muitas vezes a voz comum a dizer que a verdade está no vinho. Quantos de nós não fomos já surpreendidos por alguém cuja embriaguez em resultado de uma festa resvala de forma repentina para estados mais agressivos que julgávamos impossíveis nessa pessoa? Ou felizmente o mais frequente de esse estado conduzir a um aumento gradual de euforia incontrolável?
As redes sociais, nomeadamente o Facebook, são uma realidade impossível de ignorar, com a qual temos necessariamente de aprender a viver e conviver, que transformaram de forma indelével a comunicação, que se tornou global, ou viral, como será agora mais apropriado dizer-se. Confesso que a minha participação ativa é relativamente modesta, com uma postura muito mais de leitor, consumidor, final dos posts e seus comentários exponenciados pelas novas redes de "amizade digital". É uma nova forma de aprendizagem da realidade e dos comentários que ela vai gerando, desde as coisas e factos mais correntes e pessoais, à discussão da realidade política nacional e internacional. Gosto e aproveito muito deste trabalho gerado pelas redes sociais, tentando sobretudo interpretar e compreender a motivação dos conteúdos de que discordo. Aprecio o debate aceso e duro que muitas vezes se instala e a miríade de comentários subsequentes.
Mas confesso a minha enorme apreensão pelo uso desenfreado por alguns desta nova realidade como uma espécie de álcool digital, que faz transparecer de forma evidente muito do que considero uma das principais restrições ao nosso desenvolvimento como sociedade moderna: a inveja e a maldade como um sistema instalado por uma minoria, mas que a todos nos vai corroendo. O combate a este novo tipo de sinistralidade é mais um dos desafios coletivos que se nos coloca. Até porque a dimensão das suas consequências negativas é muito mais difícil de avaliar. Mas não podemos nunca pôr em causa, ou muito menos alienar, aquilo que o novo secretário-geral da ONU considerou, e bem, uma das nossas melhores qualidades como povo: a capacidade de ser solidário e amigo.
* PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO PORTO