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A minha origem rural e o conhecimento razoável do território nacional, bem como de alguns parques naturais e, em particular, do Parque Nacional da Peneda-Gerês - cuja fase inicial da sua existência acompanhei a partir das discussões que se faziam ou ecoavam no Campo do Gerês, no início da década de 70 -, geraram-me uma particular atenção ao "fenómeno" dos incêndios e a uma parte dos problemas do despovoamento. Isso jamais fez de mim um especialista.
Nota-se hoje uma menor responsabilização dos políticos e da política pelos problemas dos incêndios. Quinta-feira passada, a ministra da Administração Interna afirmou (na RR): "quem tem a responsabilidade de decisão precisa de tranquilidade e de sossego". Se dissesse isto, uns anos atrás, era crucifixada. O primeiro-ministro anda "a resolver os problemas das pessoas" ("modernizando" o trabalho precário e mal pago e comercializando a nacionalidade), não consegue mais presença no terreno. E o presidente da República já não precisa tanto de selfies.
A Comunicação Social passou a tratar os incêndios com análises de especialistas. A opção não será má se os especialistas evidenciarem os problemas e lembrarem que as respostas necessárias continuam a ser políticas: as prementes e as de médio e longo prazo. Todas têm conexões profundas com áreas fundamentais da nossa vida coletiva: gestão do território, utilização dos solos, habitação, planos locais e regionais de desenvolvimento, povoamento, mobilidades, "operações integradas da gestão da paisagem", turismo, perfil de especialização da economia e estilos de vida.
Há uso criminoso do isqueiro, há ignições casuais resultantes de incúria e também da maldade e negócio com a "indústria" dos incêndios. Contudo, a ausência de respostas às alterações climáticas e ambientais, associadas a um estilo de vida insustentável, está no cerne do problema. Temos incêndios que avançam para espaços de grandes aldeias, vilas e cidades e estamos num ano em que a condição dos solos potencia esse fenómeno.
É preciso proteger as pessoas, as suas casas e as aldeias. Sem dúvida! Mas, quando já não há mais nada a fazer significa que chegamos ao fim da linha. A retirada das pessoas pode tornar-se a antecâmara do abandono, do despovoamento. Elas, para habitarem numa aldeia precisam de ter trabalho, de atividades que lhes garantam meios materiais e serviços fundamentais. Não chega protegê-las na hora dos incêndios como os bombeiros procuram fazer, e bem.
O debate frontal sobre a exploração (e abandono) florestal, sobre a questão económica e a burocracia de processos que estão no seu cerne não devem continuar a arrastar-se. Já temos na situação da habitação um bloqueio total ao desenvolvimento do país. A financeirização tomou conta da política dos solos urbanos, prepara-se para se apoderar da área dos rústicos e talvez venha a vender falsas soluções para a gestão da floresta.